11 de jun. de 2012 | By: @igorpensar

Pondé: O Politicamente Incorreto

Por Igor Miguel


Me pediram uma opinião sobre o filósofo em ascensão Luiz Felipe Pondé, ao menos, minha impressão a respeito de seu já não tão recente livro "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia"

Pois bem, não me julgo alguém com condições filosóficas de criticá-lo ou analisá-lo.  Tenho amigos que são filósofos profissionais, na formação, vocação e ofício, mas, de fato, esta não é minha formação principal.  Sou um teólogo-educador das periferias e ouso me aventurar na filosofia por causa das exigências do duplo ofício.

Por não querer ser ingênuo no que faço, preciso de parâmetros epistemológicos e pressupostos para que minha tarefa tenha sentido.  Uma pergunta que sempre me sacode relaciona-se ao tipo de sujeito que quero formar, e sem dúvida, não quero promover uma educação que aprisione meus alunos à monótona e alienante falação revolucionária.

Claro, minha pedagogia é ocidental, judaico-cristã, não-progressista e anti-revolucionária, exatamente o tipo de pedagogia que não se adéqua aos paradigmas impostos pelas tendências pós-modernas e materialistas históricas.

Na verdade, como todo educador que passa por uma faculdade de educação neste país, recebi todo "corpus" materialista histórico e pitadas de pós-estruturalismo, de modo que não percebesse outra concepção educacional fora do currículo esquerdista.

Por este motivo, Pondé me chama a atenção, pois apesar da (de)formação nos porões da FFLCH/USP, conseguiu erguer-se do previsível discurso predominantemente naquele ambiente.  O que já é uma virtude.   Me interessa, sua concepção de filosofia "pessimista", que é basicamente uma filosofia do "politicamente incorreto".  Ou como ele diz, entre Rousseau e Hobbes, claro, Hobbes.   

Li o Guia Politicamente Incorreto de Filosofia, teria muita coisa pra dizer, mas direi o que basicamente achei de positivo, e o que seria a "falta" que sinto em sua obra.

O livro é basicamente uma série de ensaios, bem no estilo da coluna que mantém da Folha de São Paulo, porém, com uma tendência um tanto "panfletária".  Não "partidário", mas aquele tino literário com intensão de comunicar ideias para além do olimpo acadêmico.

O foco é acabar com o "politicamente correto".  De fato, nossos hábitos sofreram profunda alteração por causa deste discurso.  Todo mundo tem que ser simpático, ser agradável a todos, manter uma boa impressão pública, mulher tem que trabalhar e ser independente, o negócio é gênero não sexo, tudo é uma construção social, o problema é o burguês e outras "frases prontas", que reproduzimos como se fossem a mais absoluta verdade.  Puro discurso de classe média em ascensão! 

Sua crítica é sempre em tom irônico, e um tanto cínico (apesar de dizer que não o é, coisa de cínico mesmo), uma arma interessante para mostrar que o indivíduo não é um ser tão virtuoso por natureza.  Golpeia repetidamente a auto-ajuda rosseauniana e o otimismo generalizado nas "potencialidades" humanas.  

Dirige-se de forma implacável à pretensão messiânica atribuída aos seres humanos e às instituições sócio-politicamente elaboradas.  De fato, o núcleo da filosofia pessimista de Pondé é a concepção cristã de "depravação total" ou "pecaminosidade humana".  A denúncia do filósofo pernambucano é simples: o homem é fundamentalmente depravado.

Eis o ponto que me agradou.  Enquanto a voz uníssona é de filosofias que afirmam a autonomia humana, a virtude essencial ou as potencialidades individuais, acho que Pondé acertou ao levantar a saia e mostrar nossas vergonhas.  Mas... em parte.

A meu ver, Pondé foi corajoso ao afirmar parte da antropologia (concepção de homem) cristã pré-moderna de "depravação", acho que teve a coragem que poucos cristãos teriam.  Por outro lado, sinto falta da narrativa cristã completa, aquela que afirma a tríade "criação-queda-redenção".  Para Pondé, parece, só há "queda".  Não há qualquer, ou pouca, dignidade primeva em sua filosofia, pois parece não afirmar em nenhum momento que, a deformidade humana não é humana, a depravação é uma trinca, uma perversidade derivada e transmitida pelas gerações.  O humano é naturalmente inclinado a não-ser-humano, desde seu nascimento.  Mas, para o cristão, isto é uma distorção provocada por algum problema primitivo.  Como sei que gosta de G.K. Chesterton, valeria afirmá-lo: o navio naufragou em algum lugar.  Sim, naufragou, só temos os cacos do navio, mas... de um navio, não de uma canoa.

Por outro lado, o discurso cristão não é absolutamente pessimista, nem absolutamente utópico-otimista-romântico, mas esperançoso.  O cristão tem dificuldades com a pretensão humana de instauração autônoma do paraíso na terra, como ambicionou Nimrode, na cidade de Babel.  Por outro lado, age por uma cidade prestes a vir, providenciada por Deus.  O cristão opera pela ressurreição, pela recriação de uma nova humanidade inaugurada em Cristo. Mas, restringe tal missão a Cristo, opera nele, mas evita apropriar-se de tal tarefa.

Senti uma "gap" um hiato na filosofia de Pondé.  Se por uma lado me diverti com a denúncia, em algum sentido bem feita à condição real do homem, faltou preterismo e futurismo, faltou memória e escatologia, há apenas presentismo.  

De qualquer forma, penso que Luiz Felipe Pondé é útil, seu discurso abre as janelas de uma casa abafada e tomada pelo mofo.  Nem que seja para ver a sujeira interna, coisa que ninguém conseguia ver mais.  Após Pondé, sinto coragem, espaço para outras falas, pedagogias e filosofias.  Rompe-se limites impostos pelo "politicamente correto", e finalmente, pode-se pensar em algo para além deste mundo de uma cor só.

Seria muito interessante se Pondé se arriscasse a conhecer calvinistas que são mais do que "puritanos fanáticos" (quase uma reprodução da alegação de "deterministas" de Chesterton).  Calvinistas oferecem uma narrativa mais rica que o pessimismo, e mais enobrecedora do que o romantismo ingênuo.

Fica aí minha impressão sobre o politicamente incorreto (de) Pondé.

6 comentários:

Priscila, Lidia, Lukas e Markus disse...

Excelente comentário. Despertou minha curiosidade! Abraços!

@igorpensar disse...

Pois Thais. Te devo algumas explicações tá? Enviar em breve, e devo, uma passada no seu blog.

Bis, abraços ao Tiago.

Luisa disse...

Legal sua resenham Igor, me incomodou a sair do lugar. Ainda estou um pouco estagnada no pessimismo, não consegui ir muito além na visão cristã. Mas estou buscando uma dose maior de teologia para me ajudar. Curti!! =)

Carlos Antonechen disse...

Acho interessante como você argumentar igual à um "fflchiano" que tanto critica com esses pressupostos.

Carlos Antonechen disse...

Acho interessante como você argumentar igual à um "fflchiano" que tanto critica com esses pressupostos.

Receptivo Andaraí disse...

Eu gostei bastante, vale a leitura, não tenho esta bagagem para a critica mas otimo livro e otimo o seu comentario.