11 de dez. de 2015 | By: @igorpensar

Terrorismo Islâmico: uma tréplica

Raphael Freston levantou algumas objeções a meu texto "Cruzadas e terrorismo são equivalentes?".

Segundo ele, meu texto está "embebido de equívocos", apesar do óbvio exagero retórico, vamos aos "equívocos" que ele levantou:

Segundo Raphael: "A tese inicial do texto é de que o fenômeno histórico das cruzadas não pode ser comparada ao fenômeno jihadista atual. No entanto, ele não chega nem perto de fazer isso, os argumentos simplesmente são irrelevantes para a pergunta que o autor está levantando. Só se pode examinar se as cruzadas e o terrorismo islâmico são equivalentes a partir de uma análise histórica daquele e uma compreensão atual deste. Mas não foi demonstrado o que foram as cruzadas e tampouco explorou isso, destacando que as cruzadas só chega a ser mencionadas no sétimo e último ponto. Também o texto diz pouco sobre as razões dos atuais atos de terrorismo. É afirmado que igualar as cruzadas e o jihadismo atual é "evitar um honesto debate", mas na verdade quem está evitando é o próprio autor."

Realmente, talvez o título do texto em tom de problematização tende “a vender burro por cavalo”, é bem provável, mas explico: o uso do termo "cruzada" foi adotado no contexto dos atentados no Charlie Hedbo.  Por ocasião do evento, como sempre, dentro da efervescência dos debates nas redes sociais, um argumento recorrente era que "cristãos têm telhado de vidro pois também praticaram violência por razões religiosas em sua história".  Claro que nem sempre a coisa vem em tom argumentativo, a coisa vinha em forma de "meme" mesmo, exemplos: KKK=jihad, Cruzadas=jihad, ou ainda, massacre calvinista contra anabatistas=jihad.   Então, justifico, considere o termo "Cruzada" como um "string" (um termo coringa), que por ocasião da publicação do texto, é justificada.  Você pode substituir “cruzadas” aí por KKK ou Inquisição e verá que o argumento central ficará intacto.   Mas, acabou que o texto voltou a ter relevância ante os recentes atentados na França.  Neste caso, no máximo peço desculpa pela falta de contextualização do título, se é isto que objetas, admito, 'mea culpa!'.

Entretanto, vale esclarecer: minha intenção com o texto é confrontar a acusação histórica utilizada desde os iluministas, e atualmente, por progressistas, militantes de minorias, ateístas e neo-ateístas, de que atos de violência empregados por cristãos em nome de sua religião é equivalente ao 'jihadismo literalista' ou o 'terrorismo radical islâmico". 

Meu argumento é simples: toda religião pode cometer abusos, mas qual religião tem elementos ulteriores que podem disciplinar seus disparates?  Ou, ainda, na comparação cristianismo e islamismo, qual tem elementos em sua estrutura religiosa que possa encorajar ou desencorajar a violência?   Estou convencido de que se um cristão fizer o mesmo movimento que primitivistas muçulmanos radicais fazem para justificar a "shaaria" e a "jihad literalista", ele chegará em um lugar diferente destes.

A segunda objeção é a alegação de que caí em um tipo de "a-historicismo"quando recorri ao cristianismo primitivo para demonstrar a ausência de violência religiosa perpetrada por cristãos.  Acho que o Raphael não entendeu.  Explico.
Meu argumento parte ironicamente do seguinte: a interpretação de 'jihad' do ISIS, Al-Qaeda, Boko Haram e grupos similares é uma interpretação wahhabista, ou seja, uma interpretação primitivista.  Propus uma exercício imaginativo, e se, o cristianismo fizesse o mesmo movimento hermenêutico, e se fizesse um retorno 'ad fontes' para descobrir como a igreja na antiguidade lidava com os "inimigos do cristianismo", o que encontraríamos lá?  Com certeza nada equivalente ao islamismo em sua interpretação primitivista.  Ao contrário, o que veríamos certamente seria: Cristo crucificado e cristãos sendo martirizados. E, o islamismo, obviamente, encontrará outra coisa, que o diga o salafismo. 

O ISIS não tem gente ignorante por trás de seu movimento, mas grandes mentes em islamismo wahhabista de ideologia salafi (o próprio termo [salaf] سلف‎ quer diz 'ancestral', percebeu o tom primitivista?).  Eles estão em busca do "verdadeiro" islã, que implica na prática de mimetização de Mohamed, algo que já estava lá no primitivista: Muhammad ibn Abd al-Wahhab (pai do wahhabismo).

Concordo com você de que uma abordagem não-histórica e essencialista é um perigo, o ISIS faz exatamente isto, e não acho que o cristianismo deva fazê-lo.  A propósito, tenho repetido com frequência o erro do esnobismo cronológico e primitivismo anabatista.  Minha questão aqui é outra, como comentei acima, se fizermos a mesma experiência, teríamos resultados diferentes.  Por esta razão a violência em nome de Cristo e violência em nome de Allah não podem ser equalizadas.

Bem, a terceira objeção do Raphael basicamente é que que meu conhecimento de islamismo é precário, que ele acha que eu exagerei em dizer que não há nada equivalente a "amar o inimigo" de Jesus no Alcorão, e que meu texto é superficial.

1) Não tenho conhecimento precário só de islamismo não, tenho de quase tudo, só pra esclarecer.  Mas, já que seu conhecimento sobre o islamismo é melhor do que o meu, a ponto de mensurar a minha precariedade, por que você não fez nenhum objeção direta ao argumento principal que levantei?  Como você lida com intelectuais como Muhammad ibn Abd al-Wahhab?  Podemos chamá-lo de ignorante em islamismo?  Neste caso, temo que a superficialidade não foi só minha, não é verdade?

2) Se acha duvidosa a afirmação de que no Alcorão não tem nada de "amar os seus inimigos", então me mostre uma única "Sura" que trate isto de forma explícita.  Não há!  E, vários ex-muçulmanos se convertem ao cristianismo simplesmente ao ouvirem ou lerem o "ame o seu inimigo", como destaco, um exemplo bem conhecido no ocidente, Mosab Hassan Yousef, filho de um dos fundadores do Hamas que se converteu ao cristianismo.  Já leu o livro O Filho do Hamás?

3) "O texto simplesmente não consegue complexificar o fenômeno" (Raphael), sem dúvida, não é intenção dele, isto daria quase uma dissertação ou um artigo.   A proposta é simplesmente mostrar que a equalização entre terrorismo salafista/wahhabista com as Cruzadas, KKK ou outros "atos violentos em nome do cristianismo" (sem entrar no mérito) não é honesta, só isso.  Acho que neste ponto concordamos.  Estou certo?

Enfim, só levanto um problema: por que será que temos inúmeros testemunhos de gente muito familiarizada com islamismo, que se converteram ao cristianismo, ou que abandonaram o radicalismo, que alegam que muçulmano pacífico (a maioria esmagadora) é simplesmente muçulmano que não conhece islamismo?

Bem, para saciar sua sede sobre a relação cruzadas, cristianismo e islã, indico-lhe uma obra pequena, mas muito bem escrita por um excelente acadêmico em História das Cruzadas, Jonathan Riley-Smith, a obra intitula-se: The Crusades, Christianity and Islam.  Vale a pena ler.

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