22 de dez. de 2015 | By: @igorpensar

Defesa aos que Celebram o Natal

Imagine uma família cristã reunida à noite, entoando cânticos, orando e agradecendo ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó ao redor de uma mesa pelo evento mais extraordinário que já aconteceu na história, o natal. Imaginou? Agora imagine também dezenas de jovens cristãos indo para debaixo de um viaduto para celebrar o natal com moradores de rua, levando a esperança cristã para essas pessoas. Imaginou novamente?

Pois então, uma pessoa que vê nisso tudo um evento pagão, simplesmente  já perdeu qualquer capacidade de discernimento, bom senso e graça. Ela caiu em um moralismo legalista, vendo cisco nos olhos dos outros e esquecendo-se do tapume em seus próprios olhos. Gente preocupada com formas, mas que se vedou ao fato de que Cristo encheu nosso mundo de sentido. 

Ninguém é obrigado a celebrar o natal, isto não é uma ordenança bíblica. Mas alegar que um cristão é sincrético, pagão ou idólatra quando o celebra, para mim, é no mínimo, uma acusação desonesta e ingênua.

Cristãos celebram o nascimento de Cristo. A data em si é irrelevante, tanto assim que cristãos coptas e orientais celebram o natal em outras datas diferentes do ocidental 25 de dezembro. O que importa mesmo é que se celebre o nascimento de Jesus, a encarnação do Verbo que é Deus.

Agora quero demonstrar que o paganismo daqueles que se opõem à celebração cristã do natal é pior do que o suposto paganismo daqueles que o celebram. Geralmente as críticas são dirigidas ao uso da árvore de natal, presépio, guirlandas ou o uso de velas do advento.

Não quero defender o simbolismo, sinceramente, isto é pouco relevante. Mas o que temo é a satanização de símbolos, datas e costumes, que hoje, assumem significados específicos dentro da cultura cristã. Símbolos não possuem uma "alma" ou estão possessos ou encantados por uma "ânima" ou "stoikeia". Símbolos assumem significado dentro de um contexto cultural ou comunitário. Atribuir sentido a um símbolo de maneira contextualizada ou transferir significado de um contexto a outro, se não for intelectualmente desonesto, é no mínimo anacrônico. Símbolos são apropriados e (re)significados em determinados contextos comunitários.

Pagãos sacrificavam animais muito antes de Israel existir, mas quando Israel começou fazê-lo, o ato tinha um sentido muito específico no contexto de seu monoteísmo.  Pagãos e politeístas possuíam templos e santuários, mas o santuário construído por Salomão tinha outro sentido teológico.  Diversas culturas pagãs possuíam sacerdotes, mas o sacerdócio de Israel respeitava dinâmicas e práticas espirituais com raízes na revelação de YHVH. E, o que dizer, do termo "Elohim" em hebraico, que era amplamente usado pelo paganismo cananeu e sofreu uma apropriação monoteísta pelos israelitas? Parece óbvio que quando Moisés ou Jesus invocavam "Elohim" não chamavam por um deus ou deuses pagãos. Tampouco, quando Sarah chamava Abraão de "baali" (meu senhor ou meu marido) o chamava de "meu Baal" (como referência à divindade levantina).

Símbolos são impressões ou artefatos culturais com significado atribuído comunitariamente. Símbolos não possuem qualquer sentido fora de seus contextos de significado. Artefatos não são possuídos por espírito ou divindades em um sentido panteísta. A atitude de rejeitar símbolos ou datas, só porque, em hipótese, foram utilizados outrora em contextos pagãos com fins não-cristãos, é simplesmente pagã. Que ironia!

Símbolos ou datas são apenas símbolos ou datas, cuja atribuição de sentido é dada de forma diversificada dependendo do contexto que os interpreta. O hexagrama (conhecido como Estrela de Davi) era usado em diversas culturas pagãs, antes da cultura israelita. Quando visitei as ruínas da sinagoga de Cafarnaum em Israel, vi que um dos símbolos utilizados para decorar a mesma era o pentagrama, atualmente conhecido como um símbolo satanista. Entretanto, para os judeus da antiguidade, suas cinco pontas indicavam os cinco livros da Torah (o Pentateuco).

Símbolo é símbolo. Seu sentido é específico dentro de uma cultura específica. O que dizer das marcas irreparáveis do calendário pagão babilônico no calendário judaico-bíblico? O que dizer de reis pagãos que ao observarem a posição dos astros, a partir de sua astronomia tradicional, conseguiram prever o nascimento de Jesus em Belém da Judeia? Deus em sua graça comum, derramou "sementes do Verbo" no mundo, espalhou isso pelas nações. Ele pode usar um falso-profeta pagão como Balaão, uma prostituta pagã como Raabe, um altar pagão, como ao Deus Desconhecido em Atenas (At 17), para que sua verdade penetre em ambientes pouco familiarizados com a "linguagem de Sião".

Neo-judaizantes são muito previsíveis: retórica primitivista, neo-farisaica, cheia de esnobismo cronológico e de purismo histórico. No afã de erradicar todo "paganismo" da igreja, caem em um tipo de gnosticismo, neoplatonismo... pagão. Como se fosse possível uma fé que ignora o trabalho do Espírito Santo ao longo da história.

Finalmente, você tem todo direito de não celebrar o natal, obviamente, a data não é uma ordenança bíblica, como já dito. Porém, considerar ou acusar de pagão ou neopagão cristãos reunidos em família para celebrar e agradecer a Deus pelo que João disse: "O Verbo se fez carne e habitou entre nós."  Isto sim é pagão, muito pagão, é a mais pura perda de discernimento histórico e da noção de que Deus deu riquezas às nações e que o cristianismo vem resgatando tal patrimônio para a glória de Cristo.

Celebrarei o natal com minha família mais um ano e não quero entregar o sentido deste dia e seu simbolismo ao mercado e ao secularismo. Esta glória, daremos a Jesus Cristo.

Felix dies Nativitatis.

21 de dez. de 2015 | By: @igorpensar

O Natal é uma Festa Cristã

O natal é uma celebração cristã. Simples assim. O natal não tem qualquer relação com o paganismo ou com o secularismo. Não é um festa de devotos ao deus sol e tampouco dos devotos ao deus mercado. O natal sempre foi e sempre será uma celebração tradicional cristã cujo significado é simples: nasceu Jesus, e Ele é o Filho de Deus e o Messias (Cristo).

Quais os desdobramentos de tal afirmação? Deus não entregou o mundo à escuridão, confusão ou à melancolia. Significa que apesar de duras contradições e sofrimento, dos quais somos em grande medida responsáveis, tudo pode assumir significado novo desde o dia que o menino judeu envolto em panos apareceu no mundo.

Ele não era somente divindade, por isso, se revestiu da humanidade que salvaria. Também não podia ser só humanidade pois somente a divindade poderia salvá-la. Cristo é portador do mais escandaloso paradoxo: divindade e humanidade em harmonia, como dizia a antiga Fórmula Calcedônia: "Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que nós reconhecemos como existente em duas naturezas, sem confusão, sem mutação e sem divisão."

Deus salva o mundo no paradoxo da encarnação. Nada surpreendente se pensarmos que Deus opera por uma lógica que lhe é peculiar. A lógica divina está mais pra quântica do que para o binarismo de nossa frágil inteligência. Deus não é ilógico, é que ele opera por uma razão que tem critérios próprios.

C.S. Lewis chamou a atenção para esta tensão 'racional' do evento natalino, ao afirmar que a encarnação do Verbo "não é transparente à razão: nós não poderíamos tê-la inventado. Ela não tem a lucidez apriorística suspeita do panteísmo ou da física newtoniana. [...] Se uma mensagem qualquer oriunda das profundezas da realidade quisesse nos atingir, é de esperar que encontrássemos nela essa imprevisibilidade, essa anfractuosidade obstinada e extraordinária que encontramos na fé por nós, e de fato, nem para nós, e que nos é arremessada contra o rosto." (O Problema do Sofrimento).

Definitivamente nenhum ser humano poderia "inventar" a narrativa e o evento natalino, ele vai de encontro a nossa obstinação polarizada entre o misticismo ou o materialismo. A encarnação consegue conciliar transcendência e imanência, céu e terra na pessoa de Jesus Cristo, em um único evento.

Enfim, o natal significa que cristãos insistem em lembrar, ou deveriam fazê-lo, ano após ano, durante milênios que "o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Anunciamos e lembramos que Deus se intrometeu em nosso mundo, história e realidade, para inaugurar um novo mundo, uma nova história e uma nova realidade em Jesus. Por isso, o natal não é uma festa pagã de maneira alguma. É uma festa radical, típica e fundamentalmente cristã.

Celebremos com a santa mulher, Maria, mãe de Jesus, que cantou após o menino saltar em seu ventre: "A minha alma engradece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador!".

Desejo a todos um excelente natal cristão!

11 de dez. de 2015 | By: @igorpensar

Terrorismo Islâmico: uma tréplica

Raphael Freston levantou algumas objeções a meu texto "Cruzadas e terrorismo são equivalentes?".

Segundo ele, meu texto está "embebido de equívocos", apesar do óbvio exagero retórico, vamos aos "equívocos" que ele levantou:

Segundo Raphael: "A tese inicial do texto é de que o fenômeno histórico das cruzadas não pode ser comparada ao fenômeno jihadista atual. No entanto, ele não chega nem perto de fazer isso, os argumentos simplesmente são irrelevantes para a pergunta que o autor está levantando. Só se pode examinar se as cruzadas e o terrorismo islâmico são equivalentes a partir de uma análise histórica daquele e uma compreensão atual deste. Mas não foi demonstrado o que foram as cruzadas e tampouco explorou isso, destacando que as cruzadas só chega a ser mencionadas no sétimo e último ponto. Também o texto diz pouco sobre as razões dos atuais atos de terrorismo. É afirmado que igualar as cruzadas e o jihadismo atual é "evitar um honesto debate", mas na verdade quem está evitando é o próprio autor."

Realmente, talvez o título do texto em tom de problematização tende “a vender burro por cavalo”, é bem provável, mas explico: o uso do termo "cruzada" foi adotado no contexto dos atentados no Charlie Hedbo.  Por ocasião do evento, como sempre, dentro da efervescência dos debates nas redes sociais, um argumento recorrente era que "cristãos têm telhado de vidro pois também praticaram violência por razões religiosas em sua história".  Claro que nem sempre a coisa vem em tom argumentativo, a coisa vinha em forma de "meme" mesmo, exemplos: KKK=jihad, Cruzadas=jihad, ou ainda, massacre calvinista contra anabatistas=jihad.   Então, justifico, considere o termo "Cruzada" como um "string" (um termo coringa), que por ocasião da publicação do texto, é justificada.  Você pode substituir “cruzadas” aí por KKK ou Inquisição e verá que o argumento central ficará intacto.   Mas, acabou que o texto voltou a ter relevância ante os recentes atentados na França.  Neste caso, no máximo peço desculpa pela falta de contextualização do título, se é isto que objetas, admito, 'mea culpa!'.

Entretanto, vale esclarecer: minha intenção com o texto é confrontar a acusação histórica utilizada desde os iluministas, e atualmente, por progressistas, militantes de minorias, ateístas e neo-ateístas, de que atos de violência empregados por cristãos em nome de sua religião é equivalente ao 'jihadismo literalista' ou o 'terrorismo radical islâmico". 

Meu argumento é simples: toda religião pode cometer abusos, mas qual religião tem elementos ulteriores que podem disciplinar seus disparates?  Ou, ainda, na comparação cristianismo e islamismo, qual tem elementos em sua estrutura religiosa que possa encorajar ou desencorajar a violência?   Estou convencido de que se um cristão fizer o mesmo movimento que primitivistas muçulmanos radicais fazem para justificar a "shaaria" e a "jihad literalista", ele chegará em um lugar diferente destes.

A segunda objeção é a alegação de que caí em um tipo de "a-historicismo"quando recorri ao cristianismo primitivo para demonstrar a ausência de violência religiosa perpetrada por cristãos.  Acho que o Raphael não entendeu.  Explico.
Meu argumento parte ironicamente do seguinte: a interpretação de 'jihad' do ISIS, Al-Qaeda, Boko Haram e grupos similares é uma interpretação wahhabista, ou seja, uma interpretação primitivista.  Propus uma exercício imaginativo, e se, o cristianismo fizesse o mesmo movimento hermenêutico, e se fizesse um retorno 'ad fontes' para descobrir como a igreja na antiguidade lidava com os "inimigos do cristianismo", o que encontraríamos lá?  Com certeza nada equivalente ao islamismo em sua interpretação primitivista.  Ao contrário, o que veríamos certamente seria: Cristo crucificado e cristãos sendo martirizados. E, o islamismo, obviamente, encontrará outra coisa, que o diga o salafismo. 

O ISIS não tem gente ignorante por trás de seu movimento, mas grandes mentes em islamismo wahhabista de ideologia salafi (o próprio termo [salaf] سلف‎ quer diz 'ancestral', percebeu o tom primitivista?).  Eles estão em busca do "verdadeiro" islã, que implica na prática de mimetização de Mohamed, algo que já estava lá no primitivista: Muhammad ibn Abd al-Wahhab (pai do wahhabismo).

Concordo com você de que uma abordagem não-histórica e essencialista é um perigo, o ISIS faz exatamente isto, e não acho que o cristianismo deva fazê-lo.  A propósito, tenho repetido com frequência o erro do esnobismo cronológico e primitivismo anabatista.  Minha questão aqui é outra, como comentei acima, se fizermos a mesma experiência, teríamos resultados diferentes.  Por esta razão a violência em nome de Cristo e violência em nome de Allah não podem ser equalizadas.

Bem, a terceira objeção do Raphael basicamente é que que meu conhecimento de islamismo é precário, que ele acha que eu exagerei em dizer que não há nada equivalente a "amar o inimigo" de Jesus no Alcorão, e que meu texto é superficial.

1) Não tenho conhecimento precário só de islamismo não, tenho de quase tudo, só pra esclarecer.  Mas, já que seu conhecimento sobre o islamismo é melhor do que o meu, a ponto de mensurar a minha precariedade, por que você não fez nenhum objeção direta ao argumento principal que levantei?  Como você lida com intelectuais como Muhammad ibn Abd al-Wahhab?  Podemos chamá-lo de ignorante em islamismo?  Neste caso, temo que a superficialidade não foi só minha, não é verdade?

2) Se acha duvidosa a afirmação de que no Alcorão não tem nada de "amar os seus inimigos", então me mostre uma única "Sura" que trate isto de forma explícita.  Não há!  E, vários ex-muçulmanos se convertem ao cristianismo simplesmente ao ouvirem ou lerem o "ame o seu inimigo", como destaco, um exemplo bem conhecido no ocidente, Mosab Hassan Yousef, filho de um dos fundadores do Hamas que se converteu ao cristianismo.  Já leu o livro O Filho do Hamás?

3) "O texto simplesmente não consegue complexificar o fenômeno" (Raphael), sem dúvida, não é intenção dele, isto daria quase uma dissertação ou um artigo.   A proposta é simplesmente mostrar que a equalização entre terrorismo salafista/wahhabista com as Cruzadas, KKK ou outros "atos violentos em nome do cristianismo" (sem entrar no mérito) não é honesta, só isso.  Acho que neste ponto concordamos.  Estou certo?

Enfim, só levanto um problema: por que será que temos inúmeros testemunhos de gente muito familiarizada com islamismo, que se converteram ao cristianismo, ou que abandonaram o radicalismo, que alegam que muçulmano pacífico (a maioria esmagadora) é simplesmente muçulmano que não conhece islamismo?

Bem, para saciar sua sede sobre a relação cruzadas, cristianismo e islã, indico-lhe uma obra pequena, mas muito bem escrita por um excelente acadêmico em História das Cruzadas, Jonathan Riley-Smith, a obra intitula-se: The Crusades, Christianity and Islam.  Vale a pena ler.