Por Igor Miguel
Crianças e adolescentes são relativamente previsíveis, em contextos de vulnerabilidade, as coisas tendem a ser mais tensas, mas nem por isso, são menos crianças e adolescentes. Um educador pode perder a cabeça facilmente ante demonstrações tão explícitas de rebeldia e anomia.
Não poucas vezes, chego em uma sala de aula onde meus alunos estão subindo nas mesas, trocando socos uns com os outros, destilando aos berros um sofisticado repertório de palavrões e expressões de baixo calão. Claro, tudo com um tempero de completa indiferença em relação a presença do professor. Há aquelas reações clássicas, do tipo, o professor que se destempera, impõe de forma agressiva sua autoridade, e é fato, funciona pra caramba. O problema é o que se perde por meio desta forma de educar. Se perdem os vínculos, estes tão importantes no processo educacional.
As maiores experiências educacionais que já presenciei, emergiram de uma construção sutil e intencional de vínculos simbólicos e afetivos. Eu faço discípulos entre meus alunos, em algum sentido quero que eles criem um tipo de admiração pelo meu mundo, gosto de provocá-los, gosto que eles me vejam como alguém provocativamente estranho. Pois é para outro mundo que quero levá-los.
Há muita defesa em relação a cultura dos aglomerados, mas a verdade é que as vezes esta cultura se reduz a uma velha roda de samba, onde a maioria dos jovens não se envolve, ou a cultura comunitária de ajuda mutua, que é interessante. Fora isso, a cultura predominante é de um ciclo de violência atroz, que aliena, perverte, abate e rouba a dignidade. Ciclos de desespero e apatia.
Meus alunos chegam muitas vezes sem esperança, em sua maioria, o mundo lhes parece muito pequeno e apertado. Por isso, chego como um louco em sala de aula. Conto histórias de viagens que fiz, trago cantigas de quando fui escoteiro, cito histórias de poetas, mostro fotos de meu filho, falo sobre minha vida cristã, os amigos igualmente loucos com quem convivo, e faço algumas peripécias sonoplásticas , eles adoram! E comemoro quando um aluno meu consegue fazer algo que ele jamais imaginaria que poderia fazê-lo. Lhes dou o "troféu joinha" ou "trofeu nerdinho" (para os que me surpreendem de verdade). E assim, vamos criando vínculos, confiança e enfim...
E a bagunça? Bem, as vezes, meu coração e meu corpo são assaltados por uma profunda alegria. Gostaria que isso acontecesse com mais frequência. Mas, é como uma graça divina e pedagógica, que me farta de uma intencional paciência e de docilidade nas palavras. E isso tudo, diante da pura manifestação do mal. Sorrio, e digo: "Como você está hoje?" Dou um carinho, nas cabeças raspadas, em um gesto quase paterno, digo: "Calma, tenha paciência, vamos fazer um professor feliz hoje!" E geralmente, os ânimos vão se acalmando, até que se vejam capturados pelas atividades, em uma guerra silenciosa contra a alienação e a lonjura de Deus. Tem dias que saio da sala de aula, impotente, me sentindo um fracassado, mas tem dias, que saio como se o próprio Jesus tivesse estado entre eles, ensinando, educando e anunciando seu Reino.
Acho que educador cristão é assim mesmo. Povinho mais esperançoso! Pulam pra dentro de um mundo de indiferença, dispostos a morrer e adoecer por uma causa com poucas possibilidades aparentes de sucesso, e vão indo, derramando sua vida. Acho que tem um mistério nesta coisa de "aparente fracasso", a cruz nos ensina muito sobre isso. No final das contas, somos o povo da fé, da esperança e do amor. Aos trancos e barrancos com nossas fraquezas, mas confiantes, de que pela graça, Cristo estará sempre lá, abrindo janelas para um mundo completamente novo.