Por Igor Miguel
A raiz da palavra hebraica para Páscoa* quer dizer "passar sobre". Uma referência à passagem do anjo sobre o Egito, ferindo os primogênitos. Páscoa é uma celebração importante, até hoje faz parte do calendário judaico e cristão. Porém, entre cristãos, ela teve seu sentido dirigido ao evento da crucificação, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo.
As conexões são fortes. Jesus é identificado no Novo Testamento e na tradição cristã como o "Cordeiro de Deus" ou Agnus Dei, uma referência ao cordeiro que era sacrificado durante a páscoa israelita. Jesus Cristo se torna o inocente "cordeiro sem defeito de um ano" (Ex 12) que foi entregue pela libertação do povo. Como foi dito pelo sacerdote Caifás: "Vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação" (Jo 11:50), uma frase ambígua, que acabou se tornando uma profecia.
Não sei se algum dos leitores já viu o abate de um cordeiro. Eu já vi. Também já vi o abate de porcos uma vez. E a diferença é impressionante. Porcos lutam para não morrer, gritam e esperneiam. Já cordeiros, ficam em absoluto silêncio. Na ocasião, parecia que o cordeiro já sabia que iria morrer. Parecia que ele estava pronto para seu destino. Entendi a frase bíblica: "como ovelha muda perante seus tosquiadores" (Is 53:7). O cordeiro fica absolutamente mudo. O corte na jugular é definitivo e ele se entrega passivamente à morte.
Muitas pessoas podem alegar que nós cristãos nos gloriamos de uma coisa feia: a crucificação. Aquilo ali não pode ser considerado um triunfo, mas uma derrota radical, alguns poderiam alegar. Vaias, cusparadas, navalhadas, nudez, cravos e coroa de espinho. O Filho de Davi não está no trono, está na cruz. Como diria o hino clássico: "um emblema de vergonha e dor".
Na cruz e no esvaziamento, Deus estava anunciando que Ele, mesmo em sua fraqueza, é mais forte do que todos os poderosos deste século. Cristo triunfou sobre o mal absoluto, não há mal no mundo comparado à morte inocente de Cristo. Ele não era um simples homem, era o Filho de Deus, gerado de seu amor desde a eternidade. E agora, lá estava ele, o mais inocente, puro e justo dentre todos no universo, exposto e vítima de nossa corrupção e maldade. E, um pequeno e grande detalhe: fez tudo aquilo por puro amor incondicional. Ele amou os que o repudiavam.
Compartilho esta reflexão pascal com os seguintes ditos do saudoso John Stott em sua obra "A Cruz de Cristo":
O que parece (e deveras foi) a derrota do bem pelo mal, também é, e mais certamente, a derrota do mal pelo bem. Vencido, ele estava vencendo. Esmagado pelo poder inflexível de Roma, ele mesmo estava esmagando a cabeça da serpente (Gênesis 3:15). A vítima era o vencedor, e a cruz ainda é o trono do qual ele governa o mundo.Uma boa reflexão e um edificante tempo pascal.
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* פסח [pêsakh]