Por Igor Miguel
No mínimo, eu seria redundante em lembrar como nossa vida moderna é cansativa. Desperdício de palavras. A aflição, cansaço e angústia estão aí, na dureza de nossa presença no mundo. Sem mencionar, a intolerância generalizada, a brutalidade e os egos derramados atrás de suas máquinas de deslocar, vulgo automóveis. Testemunho de uma selvageria desvairada, uma perda de humanidade, um exoesqueleto metálico sem coração, me apavora as máquinas, e não me refiro aquelas com motor, mas aqueles sem epiderme.
Me cansa esta conversa de que os homens são bons, especialmente pobres, índios e minorias. Me cansa esta ingenuidade e este mascaramento da desvirtude. Acredito em verdade universal, e se tem uma verdade que não é relativa, não é que os homens sejam em essência iguais em suas virtudes, mas iguais em sua depravação e corrupção moral. Basta colocá-los no poder, diante de um artefato que lhes dá relativa liberdade, e pronto, verás a face mais sombria destes “anjos” caídos.
Índios não vivem em harmonia com a natureza por amá-la, mas por temê-la, se tivessem instrumentos para devastá-la e dominá-la o teriam feito. Como alguns o fazem em garimpos, na pecuária e no desmatamento predatório. Índios, pobres, negros, brancos, burgueses, judeus e gentios, estão todos sob o Pecado. E uso com “p” maiúsculo intencionalmente. Não estou disposto a negociar sua vergonha e a minha.
“Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar? Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem.” (Jo 19:10-11)
Só não praticamos o genocídio e não apertamos o botão vermelho e destruímos cidades com alguns megatons, porque não temos poder para isto. Porque Deus – digo explicitamente – aquele que governa sobre o caos, não nos deu atribuições para levar nossos desejos secretos até às últimas consequências. Esporadicamente, ele entrega alguns homens a sua própria vontade depravada, para revelar a nós todos o que somos de verdade.
O crime hediondo nos atormenta. Não conseguimos suportar a “não-humanidade”, o “não-gente”. Não damos conta da exposição de nossa maldade, mesmo que ela se manifeste no “outro”. Sentimos calafrios e nojo só de pensar que se alguma coisa nos soltar, se dermos um salto para além das coerções, nos tornaremos sociopatas. No final, todos vivemos algum tipo de anomalia, mesmo nas instâncias que a publicidade não alcança.
O cristianismo é uma religião viril e corajosa, pois não vem com o papo de que o homem é bom e tem recursos em si mesmo para se “auto-justificar”, nem mesmo o povo escolhido, os judeus, escapam de sua denúncia. Todos, indistintamente, estão sob a sem-vergonhice generalizada, logo precisam, carecem urgentemente que a mão de amor se dirija a eles, que os salve.
Minha dificuldade com uma filosofia pessimista é que polariza o problema, tirando-o do terreno da utopia messianista, lançando-o ao cinismo, sem o escrúpulo de lidar com a presença da beleza e a esperança. A narrativa cristã é realista e desconfiada a respeito dos potenciais humanos, ela diz descaradamente: ele não dá conta. Por outro lado, anuncia repetidamente, em tom homilético: venham leprosos, doentes e pecadores, e abracem o sacrifício. Reconheçam nas mãos perfuradas e na coroa de vergonha, a vitalidade e a certeza de uma vida saturada de amor.
O cristianismo é basicamente uma denúncia e um anúncio. A denúncia é a respeito do que há de menos humano: o pecado, a maldade. O anúncio é a respeito do o que há de mais humano: Cristo, o segundo Adão.
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma.” (Mt 11:28-29).