10 de dez. de 2010 | By: @igorpensar

Cisco no Olho de Narciso

Por Igor Miguel

Viver em um mundo narcísico, significa viver imerso em uma cultura que adora a auto-imagem. Pior do que se aprisionar a um ídolo fora de si é estar-se preso a si mesmo. A ditadura do espelho, da imagem projetada, da exposição de si, envolve uma série de problemas. Para manter-se projetado, vale tudo, inclusive comprometer princípios e escrúpulos, vale até passar por cima daqueles que morreriam te defendendo, pensa o homem que quer tornar célebre seu nome.

Martin Buber já denunciava o uso instrumental do "outro", que neste caso não é encarado com dignidade enriquecedora, alteridade. Se o "outro" se torna objeto, o "eu" se torna sujeito, sujeitando todos ao redor de sua messianidade.

Grande tratamento é a desconstrução narcísica, o despir-se do velho homem e a constatação de que a plenitude não está em mim. Sim! Chegar à bela conclusão que meu desempenho e performance são pueris ante a grandeza da humilhação de Deus na cruz. Ele abriu mão, esvaziou-se. E eu? Continuo procurando me encher, continuo com sentimentos triunfalistas de que vou mudar o mundo, mudar a história, carregando um complexo de divindade.

Enquanto homens, queremos nos manter na história, perpetuar nossa altivez no tempo, mas, só Jesus Cristo, conseguiu mudá-la e instaurou-se no meio do calendário, dividindo a cronologia em antes e depois dEle. A introdução de Deus na história, a encarnação, é o mem entre o alef e o tav[1]. Certamente, Jesus uma vez crucificado, na horizontalidade da história, verticalizou-se formando uma cruz, encruzilhada entre rotina e teofania.

O cristianismo tornou-se despensa de homens que renunciaram o narcisismo, sacrificaram sua própria imagem, para tornar a áurea glória de Cristo conhecida. Negaram a admiração, para convidar os homens a se tornarem à imagem de Deus em Jesus. Em outras palavras, vale a pena "descer a serra" e deixar os apetrechos, memórias, aplausos, honra tudo caindo pelo caminho, para que no fim, só permaneça o Deus da eternidade, resplandecendo em toda sua majestade nos altos montes.

Enfim, o cristão é este sujeito sui generis que trocou a supremacia da história, pela supremacia da intrometida eternidade. Aparentemente, um pequeno cisco que mudou o ângulo de visão do espelho:

E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito. (II Co 3:18)

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[1] A palavra hebraica para verdade (emet - אמת) é formada pelas letras alef, mem e tav, que são justamente, uma letra do início, meio e fim do alfabeto hebraico. O pensamento judaico, por isso, considera o conceito de verdade como uma totalidade, uma plenitude, com início, meio e fim.

1 comentários:

Thaís Santos disse...

Maravilhoso texto. Parei para refletir um pouco a respeito do que foi dito e percebi o quanto estamos buscando aprovação humana, status.
Escrevi, há tempos, um texto em meu Blog, onde apresentava ao leitor um caminho onde a aprovação do homem não importava. Deixo aqui um trecho desse texto:


"Não busquemos a aprovação do homem!
Estêvão em todo o seu ministério deu o seu melhor a Deus e na sua morte foi recebido de pé por Cristo. Cristo é o nosso mestre, nosso professor. Ele reage as coisas que fazemos em nome dEle.
Se não tivermos a aprovação do nosso mestre, será em vão qualquer esforço.
Não devemos buscar aprovação humana, porque homens são falhos. Temos que buscar aprovação de quem é perfeito, que não possui nem uma mancha.
Para que possamos dar o nosso melhor a Deus, temos que nos focar em Cristo que está assentado na primeira fileira nos assistindo. Pode-se ter o aplauso de muitos e a reprovação de Um, ou ter o aplauso de Um e a reprovação de muitos."

Se Buscarmos o "eu" estaremos focados em outros. Quando buscamos àquele que fomos feitos imagem e semelhança, nossas atitudes condizem com as atitudes dEle. E não há modelo maior no mundo a ser seguido.
Abraços professor.
Saudade das suas aulas.