29 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

James Parkes: judaísmo e cristianismo

Por Igor Miguel*

James Parkes (1896-1981) foi clérigo anglicano, historiador e ativista social. Em 1929 escreveu sua primeira publicação intitulada The Jew and His Neighbour (O Judeu e seu Próximo), onde propõe a abertura de um diálogo entre cristianismo e judaísmo, especificamente interessado em uma reavaliação de cristãos em relação a religião que foi matriz cultural de sua fé.

Parkes se engajou fortemente na denúncia de algumas produções cristãs de cunho antijudaico e antissemitas, tratou estas questões de forma muito equilibrada, assumindo as tensões entre ambos os lados (judaísmo e cristianismo), fruto deste trabalho nasceu sua famosa obra: The Conflict of the Church and the Synagogue (O Conflito da Igreja e a Sinagoga) escrito em 1934. Sendo esta sua obra magna dentre seus 33 livros e centenas de artigos publicados.

Graças a Parkes, hoje há um centro de estudos de relação entre judeus e não-judeus na Universidade de Southampton (Parkes Institute), fundado por ele em sua carreira acadêmica independente. Um dos maiores centros de referência desta modalidade de estudos na Europa, perdendo talvez só para Institutum Judaicum Delitzschianum de Franz Delitzsch na Alemanha.

Traduzo abaixo um trecho de um de seus artigo sobre o diálogo entre judaísmo e cristianismo, um de seus melhores artigos. Compartilho os mesmos sentimentos deste cristão anglicano pioneiro na aproximação destas duas tradições há décadas atrás:
"Neste tempo e geração, eu não apenas não desejo ver a conversão de todos os judeus a presente forma de cristianismo, e tão pouco busco a união de duas religiões. Isto pode acontecer no futuro. Mas, isto só poderia vir a acontecer quando eu posso abertamente trazer tudo que valorizo da tradição cristã a um tanque comum onde o judeu possa igualmente trazer abertamente tudo que ele valoriza da tradição judaica. E, certamente este dia não chegou ainda, e em nossa atual circunstância uma religião feita de remendos e compromissos e sínteses superficiais seria um monstro carente das muitas qualidades que cada tradição poderia legar de seus respectivos permanentes valores para a humanidade." (James Parkes – Judaismo e Cristianismo – tradução e grifo nosso).
Amei este trecho!
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*A introdução biográfica foi baseada em textos da web e da wikipedia em Inglês no verbete James Parkes (clergyman)
27 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

Restauracionismo Discernido

Prezados leitores,

Como alguns sabem e outro não querem saber, a estes reservo-lhes este direito, tenho alegado em vários momentos neste blog, que um dos motivos que me fizeram retornar à fé cristã como ela foi consensualmente constituída pela história, me ligando a uma tradição teológica que me parece coerente com as Escrituras, deve-se ao fato de que cansei das soluções pós-modernas ou modernas para a crise da Igreja Evangélica. Não concordo que a Igreja Cristã tenha fracassado, ao contrário, creio que Cristo tem um profundo compromisso com sua Igreja, como ela se expressa por meio do cristianismo. Mesmo sendo este, passível de erros históricos, afinal é operado por homens, estes erros não descredibilizam as incontáveis conquistas e legítimo testemunho perante todos da absoluta suficiência de Jesus Cristo, como Senhor e salvador, de toda humanidade.

Alguns levantam a objeção de que "não querem doutrinas de homens" e acabam afirmando sua própria doutrina, como se fossem isentos de falhas e erros hermenêuticos. Os homens sempre estarão lá, mas não podemos nos esquecer nunca que muito das confissões teológicas da Igreja como o: Credo Apostólico, Credo Niceno, Credo de Atanásio, Confissão de Westminster, Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e muitos outros documentos, foram constituídos no esforço da Igreja em se manter coesa e em unidade. Afirmar arbitrariamente que estes documentos não têm valor, é negar a própria capacidade de Deus guiar seu povo no Espírito da Verdade a uma unidade doutrinária.

As causas que levam a Igreja Evangélica deparar-se com uma gama absurda de movimentos internos que se pretendem trazer alguma solução para a atual crise do evangelicalismo, não é uma novidade. Ao contrário, tem raízes históricas. Desta forma, movimentos restauracionistas, emergentes, pietistas, grupos "semi-cristãos", ou que não assumem nenhuma identificação com o cristianismo ou com o evangelicalismo, emergem em todos os lugares. Não obstante, sinto-me convencido de que a solução clara para a atual crise, não é a afirmação de um "purismo bíblico" ou um "primitivismo apostólico". Essas soluções nunca funcionaram, ao contrário, todas as grandes seitas e desvios doutrinários da Igreja emergiram de um alegado "retorno" à era apostólica. São velhas "soluções" que sempre trouxeram velhas heresias.

Enfim, fiquei muito feliz, quando me foi apresentado pelo Pr. Guilherme de Carvalho o brilhante artigo, recentemente publicado pela Revista Ultimato, que nos foi brindada pelo Bispo Anglicano Robson Cavalcanti a este respeito. Fiquei feliz, pois fui vítima e ativista neste tipo de desvio doutrinário, hoje em retorno à fé cristã, amparado pelas confissões e credos clássicos afirmados por protestantes e cristãos durante a história, sinto-me na obrigação de denunciar estes desvios. O texto abaixo me chega em tempos que termino um pequeno artigo em que denuncio os desvios doutrinários de movimentos restauracionistas (em breve será publicado) e de uma reforma radical (hiperprotestantismo), ou como denomina o Bispo Robson de neoanabatismo.

Sendo assim, compartilho o texto abaixo, ele é de excelente qualidade e é um convite para que cristãos encontrem nas fontes clássicas de sua fé a resposta a atual crise e não em inovações teológicas ou afirmações pretensamente "primitivistas", que são fruto mais de um hibridismo pós-moderno, do que de uma conexão honesta com um legado que fieis a Cristo vêm transmitindo pelas gerações.

Boa leitura!
Igor Miguel

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O Brasil e o Protestantismo Neoanabatista

Algumas Reflexões Sobre o Pretensamente “Novo”

Como Apenas Desdobramento do “Velho”

Fonte: www.dar.org.br

Há algumas décadas, o pensador peruano Samuel Escobar, um dos fundadores da Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL), escreveu sobre o fenômeno da anabatistização do Protestantismo do nosso continente, não importando qual seja a denominação. Não é somente o fato de que algumas igrejas evangélicas apenas aqui rebatizam católicos romanos e ortodoxos orientais, contrariando o ensino dos reformadores e as suas práticas em outros continentes, mas se trata do Anabatismo como uma ideologia que se forma a partir da Reforma Radical, com seus desdobramentos históricos até os nossos dias. Vejamos algumas marcas:


1. Apostasia da Igreja como leitura histórica. Da morte do apóstolo João ao nascimento de Lutero, tudo que a Igreja fez foi errado, se afastando da sua “pureza” original. Isso se chocava com os pensadores da Primeira (Lutero, Cranmer) e da Segunda (Calvino) Reformas, que consideravam os velhos corpos cristãos não-reformados, a despeito dos seus “erros, desvios e superstições”, como autênticas expressões do Corpo de Cristo. A ideologia anabatista desqualifica quinze (hoje vinte) séculos de História, e dela retira a presença do Espírito Santo derramado no Pentecostes;

2. Restauracionismo como princípio re-fundante. Se todo o passado foi de erros, agora, o novo grupo vai “restaurar” a pureza da Igreja, segundo o mesmo entende (séculos depois) que era a Igreja Primitiva. Desde então, temos tido ciclos de expressões restauracionistas, ora dentro do espectro da Igreja, ora na fronteira (Adventismo), ora fora dela (Testemunhas de Jeová);

3. Presentismo, para usar de uma denúncia de C.S. Lewis contra as gerações movidas de um sentimento anti-histórico, que não leva em conta a Tradição Apostólica nem o Consenso dos Fiéis, mas, sem umbigo, pretendem, em uma tábula rasa, inventar a roda outra vez, sendo apenas superficiais;

4. Eclesiologia Dualista e Minimalista. Estabelece-se um dualismo neo-platônico entre o organismo (= bom, de Deus) e a instituição (= má, dos homens), entre a igreja invisível’ e a “igreja visível”, que, em uma concepção minimalista é a “igreja local” (congregação) crendo que a Igreja de Jerusalém era regida pelas regras parlamentares de Westminster... Um conjunto qualquer dessas “igrejas locais”, com suas peculiaridades, forma uma “denominação” (um conceito novo e extra-bíblico), com a satanização das organizações históricas, a negação dos sacramentos e o desprezo pela hierarquia ministerial;

5. Iconoclastia. Rejeição de toda a arte sacra: arquitetura, escultura, pintura, vitrais, símbolos, vestes, ritos. O feio é o belo. O inestético é o espiritual. A informalidade é a recuperação da pureza do Cristianismo. Aqui, entra uma dimensão que a Psicanálise tem estudado entre neuroses e rejeição à arte por repressão ao prazer. O “teológico” pode ser apenas uma fachada para o psicológico.

A ideologia anabatista perpassou vários momentos e movimentos na história da Igreja no Ocidente, desde os “entusiastas”, antecessores do pentecostalismo, encontrados (e combatidos) no Luteranismo e no Anglicanismo do século XVI, ao menonismo de vários matizes (Amish, Huteritas), o Pietismo, os Quackers, posteriormente os Irmãos Livres (Irmãos de Plymouth), a Igreja Apostólica e a Igreja Nova Apostólica, o “Pequeno Rebanho” (Watchman Nee/Witness Lee) e suas “igrejas locais”, “igrejas sem nome”, “comunidades evangélicas”, o movimento mais recente das “igrejas nos lares” (House Church), e, por fim, as Igrejas Emergentes e as Novas Iniciativas.

Hoje algumas dessas expressões se pretendem pós-denominacionais ou não-denominacionais (e se você for chegar perto são apenas variações de igrejas batistas e/ou pentecostais) sem usar esse título; outras mantêm vínculos mínimos ou estão hospedadas nas igrejas históricas ligadas a movimentos ou redes de ideologia de fundo anabatista (com as 5 características apontadas acima), que poderíamos denominar, mais adequadamente, de neoanabatismo. Algumas mantêm uma ênfase nas doutrinas históricas, outras afirmam que “as pessoas querem saber de vida e não de doutrinas”, havendo até quem negue o apóstolo Paulo e se resuma a pretensa radicalidade do Reino, aos ensinos de Jesus.

É interessante que uma das marcas do neoanabatismo contemporâneo foi herdada do Liberalismo teológico do século XIX: tornar o Evangelho palatável para o homem pós-moderno, como aqueles o pretendiam fazer para o homem moderno. O século termina por dar a agenda da igreja, primeiro na linguagem, métodos e abordagens, por fim no seu próprio conteúdo. “O homem pós-moderno não aceita essas coisas. Isso não faz sentido para ele”.

Um setor tem a preocupação em estabelecer “igrejas locais” moldadas para as novas tribos urbanas, particularmente de jovens. Cessa a riqueza da diversidade e da complementariedade, e se cai em algo padronizante. Não uma área da igreja, ou um ministério da igreja para os diversos grupos, mas uma igreja mesmo. E quando esses jovens envelhecerem, ficarão como aqueles curiosos anciãos hippies de um bairro de San Francisco, na Califórnia? E se esses jovens amadurecerem e rejeitarem o pitoresco do passado? E se virarem executivos e “empreendedores”?

Ouvi do velho Billy Graham, que, sem menosprezar a importância da comunicação transcultural, não devemos exagerar nesse ponto, porque atrás de qualquer “casca” está apenas um pecador que necessita se arrepender e depositar a sua fé em Jesus Cristo, e que para todas as culturas há um velho e eterno evangelho a ser anunciado.

Será que o Brasil será sempre um país religiosamente azarado, em que os mais refinados, os mais artisticamente sensíveis, terão que ficar presos aos extremos da idolatria e da iconoclastia, sem lugar para uma igreja reformada valorizadora da história, do consenso dos fiéis, bem como da reverência e da beleza na adoração, incluindo os símbolos e a liturgia? Quem rejeitar a idolatria está condenado ao empobrecimento estético, à iconoclastia do presentismo informalista?

O pretensamento “novo” é apenas um remake de velhas iniciativas, que respeitamos, desde que não se pretenda a verdadeira, e que não pretenda desqualificar as outras expressões da fé reformada.

O irônico é que o fenômeno que já vinha acontecendo nas últimas décadas no Primeiro Mundo, quando filhos e netos de antigas tradições anabatistas terminavam na Igreja Romana, em Igrejas Orientais, ou como Anglo-Católicos no Anglicanismo, famintos de mística, de reverência, de símbolos e de estética, agora também começa a se registrar nos filhos e netos das Igrejas Emergentes e das Novas Iniciativas... Em alguns países da América Latina a saturação do neoanabatismo já começa a produzir efeitos semelhantes em jovens protestantes.

A “atração fatal” do neoanabatismo, pentecostal ou não, para setores das igrejas históricas no Brasil, tem concorrido para uma baixa auto-estima e estima de identidade, como, por exemplo, temos conhecido “anglicanos” sui-gêneris: anti-Cânones, anti-Livro de Oração Comum e anti-Episcopado...

O neoanabatismo é um fenômeno enraizado, crescente, forte, que atinge a todas as denominações, como um grande rolo compressor em nosso continente e em nosso País..

Em coerência com a nossa identidade, em honra aos nossos antepassados na fé, em consideração a uma parcela da população brasileira que tem o direito de conhecer uma alternativa ao dualismo idolatria vs. iconoclastia, é que nós, setores das Igrejas Históricas, teimamos em ser o que somos, sem pedir licença ou desculpas, antes exigindo sermos respeitados e escutados, pois o futuro, cremos, se baseia no passado enraizado no eterno.

Ser ou não ser, é a velha (e atual) questão!

Paripueira (AL), 01 de setembro de 2010,

Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose

Bispo Diocesano




25 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

Apocalipse now!

Por Igor Miguel

"... a questão da literatura apocalíptica não é a predição, mas um desmascarar - desvelar a realidade ao redor de nós como ela realmente é [...] O que nós precisamos então, é um tipo de apocalipse contemporâneo - uma linguagem e um gênero que vê através das engrenagens e nos revele o caráter idólatra e religioso das instituições contemporâneas..." (SMITH, James K.A. Desiring the Kindom: worship, worldview and cultural formation. Grand Rapids: BakerAcademic Pub., 2009. p. 92. tradução nossa).

O que me impressionou neste trecho do livro de James K.A. Smith, dentre outras coisas que me impressionaram, é que ele propõe uma outra abordagem de livros como Apocalipse. Comumente tratamos esta obra bíblica como um livro apenas de predições proféticas ou de uma escatologia futurista. Entretanto, nos esquecemos que o termo "apocalipse", um termo grego que significa "revelação", além de ter o sentido de uma revelação do futuro, envolve uma descortinar de estruturas iníquas. Grande parte das visões de bestas, prostitutas, insetos demoníacos, reis e cavaleiros apocalípticos, são impressões divinas em uma mente judaica, conectadas às predições proféticas do passado ou de uma substancial tradição e imaginário apocalíptico outrora anunciado, tendo em vista denunciar, desvelar a verdadeira face do mundo, da Babilônia, do reino paralelo ao Reino de Deus, que os homens querem constituir:
Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável, pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se prostituíram os reis da terra. Também os mercadores da terra se enriqueceram à custa da sua luxúria. Ouvi outra voz do céu, dizendo: Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos; porque os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou dos atos iníquos que ela praticou. [...] Ora, chorarão e se lamentarão sobre ela os reis da terra, que com ela se prostituíram e viveram em luxúria, quando virem a fumaceira do seu incêndio, e, conservando-se de longe, pelo medo do seu tormento, dizem: Ai! Ai! Tu, grande cidade, Babilônia, tu, poderosa cidade! Pois, em uma só hora, chegou o teu juízo. E, sobre ela, choram e pranteiam os mercadores da terra, porque já ninguém compra a sua mercadoria. (Ap 18:2-11).
O gênero apocalíptico precisa ser retomado, esta é a ideia, precisamos deste gênero literário que levanta a "saia" da prostituta babilônica e denuncie suas vergonhas. Neste caso, as implicações políticas de Apocalipse são inimagináveis.

O que Deus mostra pra João em Apocalipse é que o que parece próspero e excitante, bem como toda busca frenética por expansão comercial, os prazeres, cheiros e cores, e a exploração sensual de seu tempo e mesmo as relações de poder de impérios que ascendiam e caíam, eram a face ilusória de um mundo tomado por demônios, governado por homens possessos, por palavras de blasfêmia e instituições que mais parecem Leviatãs e bestas feras do que estruturas burocraticamente organizadas.

Apocalipse é um gênero que revela que toda estrutura iníqua, o vinho da prostituta babilônica, a ideologia sedutora da pax romana, é construída ao preço de martírio dos santos, daqueles que denunciaram as vergonhas dos poderosos e afirmavam o senhorio de Cristo.

A literatura apocalíptica mais do que um livro de desespero é uma denúncia esperançosa, afirma o juízo eminente sobre estas estruturas do pecado, e por outro lado, o triunfo final dos santos, a vingança sobre o sangue dos mártires que perderam suas vidas por causa de seu compromisso com a justiça:

Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus, porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a grande meretriz que corrompia a terra com a sua prostituição e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos. (Ap 19:1-2)

A corrupção política, as campanhas pela naturalização do pecado, articulações políticas pela criminalização de valores judaico-cristãos, o consumismo e a mercantilização de bens culturais, a venda de títulos sacerdotais e a prostituição religiosa, precisam ser denunciadas em tom apocalíptico, com a mesma veemência e linguagem escatológica dos primeiros cristãos. O desafio é aproximar escatologia e história, apocalipse e política. A missão do apóstolo João e nossa missão.
22 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

Ore hoje!

Por Igor Miguel

Tenho buscado de Deus uma espiritualidade que lhe agrade. Não quero uma espiritualidade pietista, subjetivista, eu quero me sentir como indivíduo, porém, ligado a uma comunidade. Quero me sentir como membro de um corpo, não fora dele.

Sempre me alegro quando o Espírito Santo me traz a consciência que estou unido com Cristo por mistério e graça. Que de alguma forma o batismo me revestiu de Jesus.

Quero uma espiritualidade em que a oração não é penosa, mas acolhedora e exortiva, simultaneamente confrontadora e consoladora. Quero orar guiado pela suavidade do Espírito Santo, que me conduz a consciência de que o pão e o vinho que segurei em minhas mãos na última ceia, anunciam a morte e ressurreição, o sepultamento e reconstituição, a morte do velho homem e surgimento de uma vida completamente nova.

Quero entoar salmos e cânticos espirituais, quero tanger a corda do meu coração cantando canções de amor e gratidão. Estou em busca de uma vida cheia do Espírito Santo, sensível, amorosa, honesta, que transpareça a graça que alcança todos os dias pecadores e homens altivos como eu.

Não quero ostentar meus feitos, minhas ações são fruto de graça, não são uma propaganda de uma religiosidade autônoma que ainda não entendeu a grandeza de Cristo. Jesus não pode ser um acessório, vulgarmente usado para justificar minhas pretensões religiosas, ao contrário, Jesus Cristo é o núcleo, a pedra angular, donde todas as coisas irradiam.

Quero uma espiritualidade cristocêntrica, fundada no Emanuel, naquele que revelou quem é Deus, projeção e expressão exata do Seu ser. Quero a eleição do Pai, a redenção do Filho e o selo do Espírito Santo (Efésios capítulo 1). Quero ser conduzido por uma vida consciente de que minha história vem sendo conduzida por um Deus de amor soberano até que alcancemos aquilo que aquele homem é: varão perfeito, Jesus Cristo homem e Deus.

Faça uma oração hoje!

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UNIÃO COM CRISTO
(uma oração puritana)

Ó PAI,
Fizeste o homem para tua glória,
e quando ele não serve a este propósito,
de nada serve;
Nenhum pecado é maior do que o pecado da incredulidade,
pois se a união com Cristo é o maior bem,
a incredulidade é o maior dos pecados,
é contrariar tua vontade;
Vejo que, seja qual for o meu pecado,
nada se compara a estar longe de Cristo pela incredulidade.
Senhor, livra-me de cometer o pecado
maior de me apartar dele,
pois aqui nunca poderei obedecer
e viver perfeitamente para Cristo.
Quando tu retiras minhas bençãos exteriores,
é por causa do pecado,
de não reconhecer que tudo que tenho vem de ti,
de não servir-te com tudo que tenho,
de sentir-me seguro e fortalecido em mim mesmo.
Bençãos legítimas tornam-se ídolos secretos,
e causam grande dano;
a grande injúria está em apegar-se ao ter,
o grande bem consiste em dar.
Por amor me privaste de bênçãos,
para que glorificasse mais a ti;
removeste o combustível do meu pecado,
para que eu pudesse apreciar
o ganho de uma pequena santidade
como a contrapartida de todas as minhas perdas.
Quanto mais te amo com um
amor verdadeiramente gracioso
mais desejo te amar,
e mais miserável sou na minha falta de amor;
Quanto mais tenho fome e sede de ti,
mais vacilo e falho em te encontrar;
Quanto mais meu coração está quebrantado pelo pecado,
mais oro para que ele seja quebrantado ainda mais.
Meu grande mal é que não relembro
os pecados da minha juventude;
de fato, os pecados de hoje, amanhã já os esqueci.
Livra-me de tudo aquilo que conduz à incredulidade
ou à falta do sentimento de união com Cristo.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho
Extraído de: The Valley of Vision:
A Collection of Puritan Prayers & Devotions,
organizado por Arthur Bennett, p.20
19 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

Morar no céu ou na terra?*

Por Igor Miguel

Lembro-me quando mais jovem, ao dar início a meus estudos bíblicos, eu pensava: Se um dia houver um destino final para os santos, este destino tem que estar nos últimos capítulos da Bíblia. Minha resposta prévia e expectativa era encontrar o que lá? O céu, naturalmente, afinal, os cânticos, os pastores, minha mãe, todos falavam que um dia os justos morariam naquele lugar.

Para minha surpresa o que encontrei lá foi o seguinte texto:
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. (Apocalipse 21:1-3)
O que me surpreendeu em uma leitura simples do texto, foi que a história bíblica não encerrava com pessoas indo ao céu, mas ao contrário, alguma coisa do céu vinha de encontro a uma terra renovada. Depois as descrições dos últimos capítulos mostram uma terra maravilhosa, com povos e nações subindo a Nova Jerusalém para levar suas riquezas e honras.

Assim, descobri que a Bíblia não é um livro que convida os homens a escaparem do mundo, a salvação envolve uma restauração da própria criação. O mundo criado por Deus é muito bom, conforme encontramos em Gênesis, e mais, assim como Deus inaugura um novo homem pela ressurreição de Cristo, ele inaugura também uma terra nova.

Outra coisa que descobri é que temos que ter cuidado com o termo "novo" na Bíblia, esta expressão não tem o sentido moderno de "algo que substitui o velho", o termo tem raízes no hebraico, a expressão chadásh [חדש]. Chadásh tem ligações semânticas com o termo hebraico para lua - chôdesh - que é um astro cuja aparição se renova de um ciclo ao outro, daí as celebrações da lua nova [rosh chodêsh] no calendário judaico, como uma celebração da renovação dos meses neste calendário lunar.

A expressão "novo céu e nova terra" não é a inauguração de um novo planeta, mas a renovação da criação de Deus inaugurada no Gênesis, que depois de processos de fusão e purificação, será reapresentada renovada, restaurada e recondicionada para os santos. Paulo em sua carta ao Romanos assevera este ponto quando diz:

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. (Rm 8:19-23).

Interessante como o cristianismo em suas principais correntes, como aquelas oriundas do pietismo evangélico, tem dificuldade com esta abordagem. Entretanto, os discípulos e os apóstolos, bem como os ramos reformados do cristianismo, entre seus pioneiros, não acreditavam em uma fuga do mundo, um escapismo doutrinário, ao contrário, encaravam a criação e sua presença na história de forma positiva, pois sabiam que sua ação na "terra" é antecipatória do Reino que está para ser desvelar perante os homens.

Uma teologia de fuga da realidade, que propõe que a terra se destruirá em um hecatombe final, afeta profundamente a atuação dos homens em seu tempo presente. Privando-os de atuarem como co-regentes da terra que será em breve redimida e que está em gemidos, aguardando a plena revelação dos filhos de Deus.

"Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra." (Mateus 5:5)

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*Esta reflexão nasce inspirada na excelente palestra do amigo Rodolfo Amorim no V Ciclo de Palestras do L'Abri.

UNIVERSIDADE MACKENZIE: EM DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA

A Universidade Presbiteriana Mackenzie vem recebendo ataques e críticas por um texto alegadamente “homofóbico” veiculado em seu site desde 2007. Nós, de várias denominações cristãs, vimos prestar solidariedade à instituição. Nós nos levantamos contra o uso indiscriminado do termo “homofobia”, que pretende aplicar-se tanto a assassinos, agressores e discriminadores de homossexuais quanto a líderes religiosos cristãos que, à luz da Escritura Sagrada, consideram a homossexualidade um pecado. Ora, nossa liberdade de consciência e de expressão não nos pode ser negada, nem confundida com violência. Consideramos que mencionar pecados para chamar os homens a um arrependimento voluntário é parte integrante do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Nenhum discurso de ódio pode se calcar na pregação do amor e da graça de Deus.


Como cristãos, temos o mandato bíblico de oferecer o Evangelho da salvação a todas as pessoas. Jesus Cristo morreu para salvar e reconciliar o ser humano com Deus. Cremos, de acordo com as Escrituras, que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Somos pecadores, todos nós. Não existe uma divisão entre “pecadores” e “não-pecadores”. A Bíblia apresenta longas listas de pecado e informa que sem o perdão de Deus o homem está perdido e condenado. Sabemos que são pecado: “prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, rivalidades, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias” (Gálatas 5.19). Em sua interpretação tradicional e histórica, as Escrituras judaico-cristãs tratam da conduta homossexual como um pecado, como demonstram os textos de Levítico 18.22, 1Coríntios 6.9-10, Romanos 1.18-32, entre outros. Se queremos o arrependimento e a conversão do perdido, precisamos nomear também esse pecado. Não desejamos mudança de comportamento por força de lei, mas sim, a conversão do coração. E a conversão do coração não passa por pressão externa, mas pela ação graciosa e persuasiva do Espírito Santo de Deus, que, como ensinou o Senhor Jesus Cristo, convence “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16.8).


Queremos assim nos certificar de que a eventual aprovação de leis chamadas anti-homofobia não nos impedirá de estender esse convite livremente a todos, um convite que também pode ser recusado. Não somos a favor de nenhum tipo de lei que proíba a conduta homossexual; da mesma forma, somos contrários a qualquer lei que atente contra um princípio caro à sociedade brasileira: a liberdade de consciência. A Constituição Federal (artigo 5º) assegura que “todos são iguais perante a lei”, “estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença” e “estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Também nos opomos a qualquer força exterior – intimidação, ameaças, agressões verbais e físicas – que vise à mudança de mentalidades. Não aceitamos que a criminalização da opinião seja um instrumento válido para transformações sociais, pois, além de inconstitucional, fomenta uma indesejável onda de autoritarismo, ferindo as bases da democracia. Assim como não buscamos reprimir a conduta homossexual por esses meios coercivos, não queremos que os mesmos meios sejam utilizados para que deixemos de pregar o que cremos. Queremos manter nossa liberdade de anunciar o arrependimento e o perdão de Deus publicamente. Queremos sustentar nosso direito de abrir instituições de ensino confessionais, que reflitam a cosmovisão cristã. Queremos garantir que a comunidade religiosa possa exprimir-se sobre todos os assuntos importantes para a sociedade.


Manifestamos, portanto, nosso total apoio ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil publicado no ano de 2007 [LINK http://www.ipb.org.br/noticias/noticia_inteligente.php3?id=808] e reproduzido parcialmente, também em 2007, no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por seu chanceler, Reverendo Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Se ativistas homossexuais pretendem criminalizar a postura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, devem se preparar para confrontar igualmente a Igreja Presbiteriana do Brasil, as igrejas evangélicas de todo o país, a Igreja Católica Apostólica Romana, a Congregação Judaica do Brasil e, em última instância, censurar as próprias Escrituras judaico-cristãs. Indivíduos, grupos religiosos e instituições têm o direito garantido por lei de expressar sua confessionalidade e sua consciência sujeitas à Palavra de Deus. Postamo-nos firmemente para que essa liberdade não nos seja tirada.


Este manifesto é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro.


Para ampla divulgação.

16 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

Falecimento de Jack Stroumsa

Faleceu no último domingo, dia 14 de novembro, aos 97 anos, o sobrevivente do holocausto Jack Stroumsa, ou para os íntimos, Jaquito, como também era conhecido entre os falantes de língua espana.

Em fevereiro de 2007 por ocasião de minha participação em um curso para educadores no Yad Vashem (Museu do Holocausto) e na Universidade Hebraica de Jerusalém em Israel, tive o privilégio de ouvir seu testemunho ao vivo e a cores, além da honra de ouvi-lo tocando seu violino.

Stroumsa era um judeu de origem grega, da cidade de Salônica, donde junto com sua família foi levado ao terrível campo de Auschwitz. Por milagre, sobreviveu e pôde reconstruir sua vida das cinzas de seus antepassados e parentes aniquilados pela máquina de destruição em massa.

Dentre as atividades de sua vida, dedicou-se intensamente à preservação da memória do holocausto, contado seu testemunho de sobrevivência. Várias pessoas de diversos lugares do mundo ouviram sua narrativa da Shoah (holocausto) pessoalmente.

Leia aqui um artigo em espanhol sobre este personagem que não pode ser esquecido, junto com todos os sobreviventes.

Bendita seja sua memória.

8 de nov. de 2010 | By: @igorpensar

O evangelho segundo seu João

Por Igor Miguel

Seu João é um homem curado. O buraco de sua alma foi cicatrizada por um ato de bondade soberana e um presente irresistível.

Seu João não vive mais uma rotina melancólica como a maioria das pessoas que vivem ao seu lado. Um dia ele vivia como todos, mas quando o dito lhe chegou não pode resistir, viu-se dobrado, arrependido, despido de sua arrogância. Ao erguer-se, ergueu-se outro homem, um novo homem, agora filho do que o pariu, do novo Pai, membro de uma nova família.

Seu João virou gente boa, por causa de uma bondade que não era dele. Ele acorda todos os dias cheio de gratidão e mesmo quando as coisas parecem muito difíceis, seu João chama seu Pai, se une com o Filho, que se sacrificou, e em um novo Espírito encontra forças para prosseguir. O sorriso se renova em seu rosto todas as manhãs. Não há uma manhã que não consegue se encantar pelo belo, pelo sorriso de uma criança, pelo jeito de sua esposa, pelos pássaros, pela vida e pelos relacionamentos que constrói.

Claro que seu João não é um homem entorpecido, ele sabe que o mal está lá, que tem manchas lá, mas prefere proclamar com sua rotina que a morte foi vencida pela vida e que o mal sucumbiu diante do amor. Prefere olhar o mundo para além das cinzas dos automóveis e do concreto que concreta a frieza dos corações.

Seu João é jardineiro, gosta de cultivar flores, gosta de ter esperança, está cheio de gratidão, não há dádiva que chegue a ele que não diga "muito obrigado". Seu João entendeu o evangelho e este é o evangelho segundo seu João.

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