Prezados leitores,
Como alguns sabem e outro não querem saber, a estes reservo-lhes este direito, tenho alegado em vários momentos neste blog, que um dos motivos que me fizeram retornar à fé cristã como ela foi consensualmente constituída pela história, me ligando a uma tradição teológica que me parece coerente com as Escrituras, deve-se ao fato de que cansei das soluções pós-modernas ou modernas para a crise da Igreja Evangélica. Não concordo que a Igreja Cristã tenha fracassado, ao contrário, creio que Cristo tem um profundo compromisso com sua Igreja, como ela se expressa por meio do cristianismo. Mesmo sendo este, passível de erros históricos, afinal é operado por homens, estes erros não descredibilizam as incontáveis conquistas e legítimo testemunho perante todos da absoluta suficiência de Jesus Cristo, como Senhor e salvador, de toda humanidade.
Alguns levantam a objeção de que "não querem doutrinas de homens" e acabam afirmando sua própria doutrina, como se fossem isentos de falhas e erros hermenêuticos. Os homens sempre estarão lá, mas não podemos nos esquecer nunca que muito das confissões teológicas da Igreja como o: Credo Apostólico, Credo Niceno, Credo de Atanásio, Confissão de Westminster, Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e muitos outros documentos, foram constituídos no esforço da Igreja em se manter coesa e em unidade. Afirmar arbitrariamente que estes documentos não têm valor, é negar a própria capacidade de Deus guiar seu povo no Espírito da Verdade a uma unidade doutrinária.
As causas que levam a Igreja Evangélica deparar-se com uma gama absurda de movimentos internos que se pretendem trazer alguma solução para a atual crise do evangelicalismo, não é uma novidade. Ao contrário, tem raízes históricas. Desta forma, movimentos restauracionistas, emergentes, pietistas, grupos "semi-cristãos", ou que não assumem nenhuma identificação com o cristianismo ou com o evangelicalismo, emergem em todos os lugares. Não obstante, sinto-me convencido de que a solução clara para a atual crise, não é a afirmação de um "purismo bíblico" ou um "primitivismo apostólico". Essas soluções nunca funcionaram, ao contrário, todas as grandes seitas e desvios doutrinários da Igreja emergiram de um alegado "retorno" à era apostólica. São velhas "soluções" que sempre trouxeram velhas heresias.
Enfim, fiquei muito feliz, quando me foi apresentado pelo Pr. Guilherme de Carvalho o brilhante artigo, recentemente publicado pela Revista Ultimato, que nos foi brindada pelo Bispo Anglicano Robson Cavalcanti a este respeito. Fiquei feliz, pois fui vítima e ativista neste tipo de desvio doutrinário, hoje em retorno à fé cristã, amparado pelas confissões e credos clássicos afirmados por protestantes e cristãos durante a história, sinto-me na obrigação de denunciar estes desvios. O texto abaixo me chega em tempos que termino um pequeno artigo em que denuncio os desvios doutrinários de movimentos restauracionistas (em breve será publicado) e de uma reforma radical (hiperprotestantismo), ou como denomina o Bispo Robson de neoanabatismo.
Sendo assim, compartilho o texto abaixo, ele é de excelente qualidade e é um convite para que cristãos encontrem nas fontes clássicas de sua fé a resposta a atual crise e não em inovações teológicas ou afirmações pretensamente "primitivistas", que são fruto mais de um hibridismo pós-moderno, do que de uma conexão honesta com um legado que fieis a Cristo vêm transmitindo pelas gerações.
Boa leitura!
Igor Miguel
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O Brasil e o Protestantismo Neoanabatista
Algumas Reflexões Sobre o Pretensamente “Novo”
Como Apenas Desdobramento do “Velho”
Fonte: www.dar.org.br
Há algumas décadas, o pensador peruano Samuel Escobar, um dos fundadores da Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL), escreveu sobre o fenômeno da anabatistização do Protestantismo do nosso continente, não importando qual seja a denominação. Não é somente o fato de que algumas igrejas evangélicas apenas aqui rebatizam católicos romanos e ortodoxos orientais, contrariando o ensino dos reformadores e as suas práticas em outros continentes, mas se trata do Anabatismo como uma ideologia que se forma a partir da Reforma Radical, com seus desdobramentos históricos até os nossos dias. Vejamos algumas marcas:
1. Apostasia da Igreja como leitura histórica. Da morte do apóstolo João ao nascimento de Lutero, tudo que a Igreja fez foi errado, se afastando da sua “pureza” original. Isso se chocava com os pensadores da Primeira (Lutero, Cranmer) e da Segunda (Calvino) Reformas, que consideravam os velhos corpos cristãos não-reformados, a despeito dos seus “erros, desvios e superstições”, como autênticas expressões do Corpo de Cristo. A ideologia anabatista desqualifica quinze (hoje vinte) séculos de História, e dela retira a presença do Espírito Santo derramado no Pentecostes;
2. Restauracionismo como princípio re-fundante. Se todo o passado foi de erros, agora, o novo grupo vai “restaurar” a pureza da Igreja, segundo o mesmo entende (séculos depois) que era a Igreja Primitiva. Desde então, temos tido ciclos de expressões restauracionistas, ora dentro do espectro da Igreja, ora na fronteira (Adventismo), ora fora dela (Testemunhas de Jeová);
3. Presentismo, para usar de uma denúncia de C.S. Lewis contra as gerações movidas de um sentimento anti-histórico, que não leva em conta a Tradição Apostólica nem o Consenso dos Fiéis, mas, sem umbigo, pretendem, em uma tábula rasa, inventar a roda outra vez, sendo apenas superficiais;
4. Eclesiologia Dualista e Minimalista. Estabelece-se um dualismo neo-platônico entre o organismo (= bom, de Deus) e a instituição (= má, dos homens), entre a igreja invisível’ e a “igreja visível”, que, em uma concepção minimalista é a “igreja local” (congregação) crendo que a Igreja de Jerusalém era regida pelas regras parlamentares de Westminster... Um conjunto qualquer dessas “igrejas locais”, com suas peculiaridades, forma uma “denominação” (um conceito novo e extra-bíblico), com a satanização das organizações históricas, a negação dos sacramentos e o desprezo pela hierarquia ministerial;
5. Iconoclastia. Rejeição de toda a arte sacra: arquitetura, escultura, pintura, vitrais, símbolos, vestes, ritos. O feio é o belo. O inestético é o espiritual. A informalidade é a recuperação da pureza do Cristianismo. Aqui, entra uma dimensão que a Psicanálise tem estudado entre neuroses e rejeição à arte por repressão ao prazer. O “teológico” pode ser apenas uma fachada para o psicológico.
A ideologia anabatista perpassou vários momentos e movimentos na história da Igreja no Ocidente, desde os “entusiastas”, antecessores do pentecostalismo, encontrados (e combatidos) no Luteranismo e no Anglicanismo do século XVI, ao menonismo de vários matizes (Amish, Huteritas), o Pietismo, os Quackers, posteriormente os Irmãos Livres (Irmãos de Plymouth), a Igreja Apostólica e a Igreja Nova Apostólica, o “Pequeno Rebanho” (Watchman Nee/Witness Lee) e suas “igrejas locais”, “igrejas sem nome”, “comunidades evangélicas”, o movimento mais recente das “igrejas nos lares” (House Church), e, por fim, as Igrejas Emergentes e as Novas Iniciativas.
Hoje algumas dessas expressões se pretendem pós-denominacionais ou não-denominacionais (e se você for chegar perto são apenas variações de igrejas batistas e/ou pentecostais) sem usar esse título; outras mantêm vínculos mínimos ou estão hospedadas nas igrejas históricas ligadas a movimentos ou redes de ideologia de fundo anabatista (com as 5 características apontadas acima), que poderíamos denominar, mais adequadamente, de neoanabatismo. Algumas mantêm uma ênfase nas doutrinas históricas, outras afirmam que “as pessoas querem saber de vida e não de doutrinas”, havendo até quem negue o apóstolo Paulo e se resuma a pretensa radicalidade do Reino, aos ensinos de Jesus.
É interessante que uma das marcas do neoanabatismo contemporâneo foi herdada do Liberalismo teológico do século XIX: tornar o Evangelho palatável para o homem pós-moderno, como aqueles o pretendiam fazer para o homem moderno. O século termina por dar a agenda da igreja, primeiro na linguagem, métodos e abordagens, por fim no seu próprio conteúdo. “O homem pós-moderno não aceita essas coisas. Isso não faz sentido para ele”.
Um setor tem a preocupação em estabelecer “igrejas locais” moldadas para as novas tribos urbanas, particularmente de jovens. Cessa a riqueza da diversidade e da complementariedade, e se cai em algo padronizante. Não uma área da igreja, ou um ministério da igreja para os diversos grupos, mas uma igreja mesmo. E quando esses jovens envelhecerem, ficarão como aqueles curiosos anciãos hippies de um bairro de San Francisco, na Califórnia? E se esses jovens amadurecerem e rejeitarem o pitoresco do passado? E se virarem executivos e “empreendedores”?
Ouvi do velho Billy Graham, que, sem menosprezar a importância da comunicação transcultural, não devemos exagerar nesse ponto, porque atrás de qualquer “casca” está apenas um pecador que necessita se arrepender e depositar a sua fé em Jesus Cristo, e que para todas as culturas há um velho e eterno evangelho a ser anunciado.
Será que o Brasil será sempre um país religiosamente azarado, em que os mais refinados, os mais artisticamente sensíveis, terão que ficar presos aos extremos da idolatria e da iconoclastia, sem lugar para uma igreja reformada valorizadora da história, do consenso dos fiéis, bem como da reverência e da beleza na adoração, incluindo os símbolos e a liturgia? Quem rejeitar a idolatria está condenado ao empobrecimento estético, à iconoclastia do presentismo informalista?
O pretensamento “novo” é apenas um remake de velhas iniciativas, que respeitamos, desde que não se pretenda a verdadeira, e que não pretenda desqualificar as outras expressões da fé reformada.
O irônico é que o fenômeno que já vinha acontecendo nas últimas décadas no Primeiro Mundo, quando filhos e netos de antigas tradições anabatistas terminavam na Igreja Romana, em Igrejas Orientais, ou como Anglo-Católicos no Anglicanismo, famintos de mística, de reverência, de símbolos e de estética, agora também começa a se registrar nos filhos e netos das Igrejas Emergentes e das Novas Iniciativas... Em alguns países da América Latina a saturação do neoanabatismo já começa a produzir efeitos semelhantes em jovens protestantes.
A “atração fatal” do neoanabatismo, pentecostal ou não, para setores das igrejas históricas no Brasil, tem concorrido para uma baixa auto-estima e estima de identidade, como, por exemplo, temos conhecido “anglicanos” sui-gêneris: anti-Cânones, anti-Livro de Oração Comum e anti-Episcopado...
O neoanabatismo é um fenômeno enraizado, crescente, forte, que atinge a todas as denominações, como um grande rolo compressor em nosso continente e em nosso País..
Em coerência com a nossa identidade, em honra aos nossos antepassados na fé, em consideração a uma parcela da população brasileira que tem o direito de conhecer uma alternativa ao dualismo idolatria vs. iconoclastia, é que nós, setores das Igrejas Históricas, teimamos em ser o que somos, sem pedir licença ou desculpas, antes exigindo sermos respeitados e escutados, pois o futuro, cremos, se baseia no passado enraizado no eterno.
Ser ou não ser, é a velha (e atual) questão!
Paripueira (AL), 01 de setembro de 2010,
Anno Domini.
+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano