10 de out. de 2008 | By: @igorpensar

Pedagogia eclética. Que trem é esse?

Por Igor Miguel

Há alguns anos, perguntei a uma pedagoga qual o método de alfabetização ou qual pressuposto teórico ela tinha simpatia, ou a partir de qual referencial ela pensava sua práxis pedagógica. Naturalmente, esperava que ela dissesse algo como, sou construtivista ou sócio-interacionista, dialética, materialista-histórica, crítica, libertária, behaviorista, tradicional-conteudista ou algo do gênero; mas não, ela disse: - Sou eclética!


Eclética? Até hoje estou digerindo essa resposta e não tenho coragem de dizer o que penso sobre o que ela disse e por favor, não me force a dizer isso pra ela. Torço para que ela leia este texto acidentalmente - tomara que isso aconteça - mas, não estou disposto a fazer isso, ainda não.

Mas, voltando a resposta da pedagoga eclética. Sinceramente, o que ela desejava dizer com isso?

O termo "eclético" vem do grego εκκλητικος (ekklétikos), o Dicionário Aurélio o define como: "Posição intelectual ou moral caracterizada pela escolha, entre diversas formas de conduta ou opinião, das que parecem melhores, sem observância duma linha rígida de pensamento" (Dicionário Aurélio - Versão Eletrônica). Interessante pois filologicamente falando, o termo grego em sua conotação primeva, é uma junção de de duas expressões gregas.

A primeira delas é "ek" que é uma preposição ablativa, cujo desdobramento latino é o ex*, que pode ser traduzida como "de" (de origem, como from em inglês).

A segunda parte da palavra vem da raiz "klêtós" que pode ser traduzida como "chamar", "convocar", "eleger", etc.

O termo ekletikos tem conotação política, Xenofontes usa a expressão referindo-se a um comitê de cidadãos escolhidos para uma função específica.

Baseado nessas informações poderíamos construir uma definição etimológica de "eclético" ou do que vem a ser "ecletismo".

Em português a idéia de "escolha" está presente no termo eclético, ao menos conforme o Aurélio, há uma conotação eletiva, como alguém que "elege" certas idéias como próprias e assim, evita a rigidez de apenas uma opinião.

Meu receio, é que minha amiga, ao dizer "eclética" não o fez nos termos do Aurélio, temo que ela associou seu "ecletismo" como justificativa para sua ingenuidade teórica, como uma resposta "evasiva" para o esvaziamento epistemológico de sua prática pedagógica.

Receio, que a pedagoga eclética, seja um pedagoga do pragmatismo pedagógico, do ativismo inconsciente e possivelmente uma profissional do senso comum.

Uma pergunta perturbadora seria: É possível ser um pedagogo eclético? Respeitando-se a conotação etimológica da palavra, acredito que sim. Se ser eclético significa se apropriar de algumas abordagens pedagógicas que são contíguas, que dialogam entre si, sim é possível ser eclético. O que não significa que isso seja algo simples, penso que nos termos acima seria quase insustentável o ecletismo. A exigência intelectual de combinar diversas referências teóricas e a partir delas construir uma referência metodológica para ensinar, não é tarefa fácil.

Sinceramente, os novos rumos da pedagogia no Brasil, não são muito animadores. O caminho que as faculdades de educação estão tomando, a partir dos novos paradigmas legais (novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia), resulta em uma pedagogia pragmática. Isso significa que a pedagogia perde sua sofisticação e o pedagogo não é um cientista da educação. Deveria sê-lo, mas não é, já deram o último golpe nessa ciência que estava quase morrendo. Nas novas diretrizes do curso de pedagogia, a pesquisa está afixada no último lugar, em uma escala hierarquicamente organizada em docência, gestão e pesquisa, isso não deveria ser assim. Pergunto: quem está pensando pedagogia enquanto ciência?

Mas, os grandes responsáveis por esse fracasso epistemológico, foram os próprios pedagogos, pois ao gabarem-se de seu ecletismo, esvaziaram a pedagogia de sua profundidade teórica, dicotomizando teoria-prática, desmerecendo a tradição científica sobre a educação, debochando de homens como Piaget, Vygotsky, Makarenko, Freire, Dewey e outros. Existem, contradições entre essas abordagens, fazer recortes entre eles, e eleger o que parece interessante, é uma arte que eu pessoalmente não sei fazer, e tenho minhas dúvidas que alguém o consiga de forma competente. Não quero ser generalista, luto contra isso, tenho esperança, e me orgulho de minha profissão, luto para não ser associado com um animador de crianças, luto para mostrar que nossa profissão é algo além, e o faço com alguma leitura, com reflexão e me esforço para articular isso em minha prática pedagógica.

Não é de hoje, que insisto sobre a crise epistemológica da pedagogia, fiz um crítica sobre isso aqui neste blog em outro momento quando ainda estava no segundo período da faculdade. Já sentia essa angústia naquela época.

Me parece que o caminho para superar a crise seria criar uma nova tradição, estimular a pesquisa, fomentar filósofos da educação, provocar o surgimento de cientistas da educação e epistemólogos da pedagogia.

Uma pessoa que diz que é construtivista e sua prática é tradicionalista, ou a que diz que é libertadora e é conteudista, não é nada, é um auxiliar de distribuição de saberes bancários**.

Sinceramente, tenho minhas dificuldades de denominar isso de ecletismo pedagógico. Isso é um pandemônio pedagógico, um mutante hibrido, andrógeno, uma coisa indefinida. Uma contradição à natureza da pedagogia, enquanto ciência que educa deliberadamente, com intencionalidade.

Se neutralidade científica é um mito, ecletismo pedagógico é uma desculpa esfarrapada para a inconsciência profissional. Ecletismo pedagógico é sinônimo de ingenuidade pedagógica.

Tenho esperança, o fatalismo não faz meu estilo, minha formação ético-religiosa me ensinou a crítica, mas também me ensinou a esperança, o sonho e a possibilidade de mudança. Acredito que nossas ações tem efeitos redentores. Baseado nessa ética, podemos mudar a situação, a coruja*** pode voar mais alto e sair da caverna da obscuridade. Há certa conotação revolucionária nessa fala, um "q" de revolução cultural. O desafio seria um retorno aos clássicos, ler bons teóricos, fazer boas leituras, não esses livros de fórmulas educacionais prontas, de discursos milagrosos, mas boas referências.

Insisto, que a pedagogia é ciência da educação, essa é minha utopia, e sonho com grandes debates epistemológicos, com mais congressos, simpósios e pesquisas que tenham isso como tema.

___________
* Um bom exemplo do uso da preposição "ex" (latim) é a expressão ex-nihilo que pode ser traduzido como "do nada".
** Bancário, no sentido que Paulo Freire dá ao termo, quando se refere à eduacão conteudista.
*** A coruja é símbolo da pedagogia.

3 comentários:

Anônimo disse...

oi, Igor

Sou professora. Atuo na educação infantil. Estou no 3º período do curso de Pedagogia. Resolví voltar à universidade depois de 20 anos sem estudar, pois comecei a ouvir coisas que gostaria de ouvir muito antes dessas duas décadas.Na minha cidade sempre houve o curso numa instituição privada a qual me recusei a frequentar. Agora com a universidade pública que chegou aqui uma extensão de uma cidade próxima estou cursando e entendendo
a Pedagogia como ciência.Acredito que vamos ter muito oque compartilhar.

Até mais!!!!!!!

@igorpensar disse...

Com certeza, amo pedagogos(as) além do óbvio!

Unknown disse...

Igor, recentemente tive problemas com minha filha de 6 anos em sua escola (escola de confissão religiosa adventista do sétimo dia). Ocorre que o aprendizado dela não estava ocorrendo. Tive que procurar um reforço escolar para que ela saísse do primeiro ano sabendo ler e escrever. Tentei buscar a metodologia de ensino da instituição e só vi um monte de referencias religiosas sem uma definição clara da metodologia de ensino. Isso me parece bastante desonesto do ponto de vista do aprendizado, pois não define tanto para os pais como para os alunos que caminho irá seguir na forma de ensino. Estou decidido a colocar ela numa escola com uma proposta de ensino sócio-interacionista, que me parece mais honesta e apropriada para nossos dias. O que acha sobre isso?