22 de out. de 2007 | By: @igorpensar


Tropa de Elite, o filme.

Falta de Ética, a realidade.


Por Igor Miguel


Assisti recentemente a película “Tropa de Elite”. Visto por milhões de expectadores, antes mesmo de sair em cartaz, trouxe um misto de revolta ao sistema de segurança pública e admiração ao chamado BOPE, o batalhão de operações especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro.


Porém, o quê me inquieta é a forma como alguns adolescentes e jovens vêem este filme. Eles se impressionam com a violência e com a crueldade, com que policiais tratam bandidos e consumidores de drogas. Estes meninos sabem o nome das armas; o funk e o rap que fazem parte da trilha sonora. Chegam até, a reproduzir o jargão policial-marginal e o palavreado da cultura carioca.


Porém, não conseguem perceber algumas sutilezas, como por exemplo, a discreta menção a um filósofo pós-estruturalista francês chamado, Michel Foucault. Sua obra chamada Vigiar e Punir, tem destaque, evidenciando que a intenção do filme não é demonstrar a “violência”, mas as relações de poder (Foucault), que permeiam macro-estruturas como a polícia, o tráfico, o governo e também, as micro-estruturas capilares envolvidas na corrupção. Estas últimas, caracterizam-se por complexas e invisíveis estruturas sociais como: pequenos gestos, ações individuais ou de pequenos grupos ou guetos, destacando os vulgos playboys ou “filhinhos de papai”, que nutrem a violência, quando sobem os morros para comprar uma “trouxinha” de maconha, e cometerem “pequenos” delitos.


Seria de um reducionismo ridículo, responsabilizar uma esfera da sociedade, ou grupos sociais restritos, por todo esta balbúrdia. A lógica da corrupção no Rio de Janeiro é sustentada por um tumor maligno independente, um parasita que se aproveita de instituições públicas para continuar existindo. Mas, será que a corrupção parte de cima para baixo ou de baixo para cima?


Na verdade, a banda podre do Rio é sustentada em parte, pela cultura e visão de mundo dos atores sociais envolvidos. Para uma análise apropriada, deve-se retomar o comportamento e os gestos dos indivíduos, para finalmente, compreender as ações institucionais, que refletem a ética social envolvida.


Estas evidências, podem ser percebidas em qualquer lugar do Brasil. A cidade do Rio de Janeiro é a imagem nua, do que acontece de forma velada em outras regiões do território nacional, como nas Minas Gerais da família Neves.


Mas o que me preocupa, como ouvi recentemente de um locutor, é a falta de ética do povo brasileiro em geral. Ninguém suporta a corrupção política de algumas instituições. O que mais se ouve são frases desprovidas de crítica, do tipo: “...é um absurdo!”.


Crítica, significa critério, é submeter o que vemos na realidade, no dia-dia, na mídia e nos jornais, ao discernimento e à análise. O brasileiro precisa sair da “reclamação” e migrar para a “crítica”. O problema, é que nós brasileiros, sofremos da “síndrome de privação cultural” (como diria o educador israelense Reuven Feuerstein), não temos repertório simbólico, para nos posicionarmos politicamente e intelectualmente ante as demandas sócio-históricas que enfrentamos. Eles pensam por nós! A mídia pensa por nós! Os intelectuais pensam por nós! No final das contas, não sabemos nem se pensamos. Em suma, somos chamados de burros e vivemos em um país que nos “burrifica”. A escola, a igreja, a família, todos contribuem um pouco para nossa completa alienação e o permanente discurso da incompetência.


Nosso país é híbrido. Adotamos um modelo capitalista manco de economia e consumo, mas desprezamos a ética que sustentou o capitalismo – onde ele funciona. Importamos, modelos europeus e americanos, mas não importamos a ética protestante (Weber), ética judaico-cristã.


Discursa-se sobre o mito da neutralidade científica, isto todo mundo já sabe. Mas, e o mito da neutralidade religiosa? Por que não é debatido? Não há conhecimento científico, direito ou política, desprovidos de pressupostos religiosos. Idéias como: soberania de estado, estado de direito, igualdade, conhecimento, ordem e progresso, bebem em fontes religiosas. Nem o caos pós-estruturalista (de um tempo desprovido de intencionalidade, tempo não-teleológico), é totalmente desprovido de algum princípio religioso. A própria negação da fé, segue um modelo dogmático.


Sendo assim, precisamos de ética, de princípios morais que norteiam nosso posicionamento no mundo. Somos corruptos, praticamos pequenos delitos, sempre queremos tirar vantagem em tudo, nunca pensamos de forma descentrada e no fim, tudo gira em torno de nossos interesses. Somos perversos, sustentamos uma mega-rede de corrupção, de mentira e anomia. Quando atravessamos uma rua fora da faixa de pedestre, transgredimos um sinal vermelho, damos um cheque sem fundo, mentimos naturalmente, pedimos nosso filho para dizer que “não estamos”, quando não devolvemos o troco a mais, quando cometemos pequenos furtos, quando não respeitamos o corpo das mulheres (digo como homem), quando as mulheres não se respeitam. Sustentamos uma lógica cruel, uma teia de iniqüidade, uma cultura da esperteza e da pilantragem.


O Brasil, precisa retomar a ética judaico-cristã, se reeducar nos valores, na hombridade, no respeito e na alteridade. O Brasil precisa ser mais sábio, sabedoria na cultura judaica (em hebraico chochmá) significa, habilidade técnica. Não é uma intelectualização estéril, mas um mecanismo de intervenção e comportamento, sob a égide de princípios. O Brasil perdeu os valores. O cristianismo evangélico-católico tem contribuído pouco neste aspecto. Não são poucos os calotes em nome de cristãos, que fazem de tudo por uma espiritualidade que é determinada pelo bem estar econômico e sustentado pela seguinte lógica: se, sou rico sou santo, então vale tudo para ser santo ou para ser rico.


A religião, que deveria ser a maior responsável pela ética, troca seu discurso, fazendo vista grossa para manter sua platéia de homens e mulheres destinados ao cativeiro cultural brasileiro.


O filho deste mutante antiético é o tráfico, o homicídio, o estupro, o furto; a corrupção dos agentes públicos, da polícia e das forças armadas; deu-se à luz a violência.


A violência é um fluxo, uma energia que se move. Violência, transforma-se em violência. Nenhum ato violento, se neutraliza, ele se transforma em outro ato de brutalidade. Responder com agressão a violência é a medida extrema que procura corrigir, aquilo que a educação, a religião e o estado, não deram conta. A violência é subproduto da falta de ética, da coerção social e de uma consciência coletiva (Durkheim) elaborada a partir da indestrutibilidade do pacto social.


Enfim, precisamos de uma tropa de elite, porque falhamos, porque não temos nenhum modelo que ponha limite aos nossos atos. Matamos nossos pais, Deus, professores, mestres e todos aqueles, que tentaram nos ensinar alguma coisa. Nos desvirtuamos e nos encontramos em um pesadelo perturbador. Só há um jeito de sair dele, acordando e retornando aos conselhos dos anciãos, a elite da terceira idade que lega valores, que insistimos desprezar.