5 de nov. de 2006 | By: @igorpensar

Educar para e pelo Pensar

Por Igor Miguel

Durante vários anos especialistas e teóricos da educação debateram sobre uma nova educação que fosse essencialmente não-ideológica, outros se posicionaram ao contrário, afirmando que esta seria uma possibilidade idealista, pois não há neutralidade no processo educativo. Sem dúvida, assumir uma postura imparcial em educação é no mínimo demagógico e necessariamente utópico.

O debate então transfere-se para uma educação pela democracia e a autonomia, que permitisse ao aluno produzir sua própria visão de mundo, levando em conta obviamente o que já vem sendo produzido em conhecimento, lançando finalmente, os fundamentos de um pensar “livre” e autogestor do saber.

Neste ponto, os paradigmas de uma educação pelo conteúdo ou “bancária” (Paulo Freire) é superada pelo “ensinar a pensar”, uma educação que procura fornecer “instrumentos” para que o sujeito se aproprie da realidade por si só. Objeta-se a construção de um sujeito crítico, perceptivo e consciente do mundo que lhe rodeia.

Existem analfabetos funcionais, mas também analfabetos sociais, sujeitos que possuem todos os códigos para descriptografar e até mesmo interpretar um texto, porém não conseguem articular o que se apropriam tendo em vista uma intervenção na realidade, uma leitura de mundo. Compreender as relações, os mecanismos de poder, a política e o que permeia sua realidade. Este sujeito, foi condicionado desde sua formação escolar à passividade, por isto está despreparado, “iletrado” (no sentido amplo), não tendo condições de se posicionar criticamente ante os estímulos que lhe rodeiam.

Propõe-se uma alfabetização social e de cunho antropológico, que se aproxime do outro sem falsos discursos de “respeito às diferenças”, mas transcenda o conforto ideológico e salte para a possibilidade da permuta, da antítese e possíveis sínteses culturais (tradução – Stuar Hall).

Ensinar a pensar é um desafio, não ceder à imposição de uma cultura educacional conteudista não é tarefa fácil. Por gerações foi forjada uma educação pelo “produto”, mas não pelo “processo”. Educar para pensar é deslocar o método dos resultados para o fluxo de micro e macro-processos responsáveis pelo pensar. Dar ferramentas e instrumentos lógicos e cognitivos para que o sujeito saiba ordenar sua realidade, este mundo de informação caótica e cumulativa.

A cultura de massa de nosso século precisa ser “pensada”, não basta ter “informações” disponíveis, é necessário trabalhá-las, julgá-las e submetê-las ao pensar, à crítica. A informação não pode ser imposta, gabando-se de verdadeira per se, antes deve ser colocada em uma malha de significados elaborado na relação autônoma e crítica do sujeito em sua posição no mundo.

Educar hoje, deve ser sim, uma educação pelo pensar. Pensar em sentido amplo.

Diversidade na Trivialidade

Por Igor Miguel
Conforme Stuart Hall a modernidade tardia - chamada questionavelmente por pós-modernidade - caracteriza-se principalmente pela fragmentação do ser e sua conseqüente crise de identidade.
O mundo globalizado, organizado a priori para propiciar a abertura de novos mercados, possibilitou também a permuta de diversas realidades culturais. Se antes a identidade era um produto elaborado provincialmente, com a relativização das fronteiras as diversas realidades culturais interpenetram-se mutuamente. Daí vislumbra-se o que se chama de modernidade tardia, que se caracteriza principalmente pela fragmentação da identidade e por esta invasão transcendente da realidade do outro. A análise stuartina pôde finalmente dar algumas respostas para a diversidade e a multifacetada estrutura cultural brasileira como veremos.
O Brasil, como se sabe, vem sendo berço cultural por longas datas, desde de sua colonização vem abrigando pessoas das mais diversas realidades culturais, sejam de ordens étnicas, nacionais ou religiosas. Temos na formação inicial das “culturas brasileiras” – pois não podemos falar de uma cultura nuclear em Stuart Hall - o intercâmbio entre colonizadores e colonizados, ainda que sob a égide exploratória, realiza-se também uma troca cultural. A relação colonizados-escravizados-colonizadores é fundacional na composição da multiplicidade da identidade brasileira.
Assim não é difícil observar a mencionada fragmentação em ambientes informais, na trivialidade, nas áreas de circulação publica, nas grandes concentrações urbanas ou mesmo em regiões rurais. Qualquer lugar pode se tornar um "laboratório antropológico”, onde se pode observar o crepúsculo de uma era. Pode-se observar as “mil-faces” do brasileiro em qualquer rodoviária, ponto de ônibus, hospital, vilas, etc.
Neste caso escolheu-se um aeroporto como cenário para esta observação, principalmente nas áreas de vôos domésticos. Refiro-me em específico ao aeroporto de Guarulhos em São Paulo, o maior aeroporto do Brasil, no qual circulam em média 100 mil pessoas diariamente, ligando a cidade a 23 países e a 75 cidades brasileiras e estrangeiras, o terminal atende hoje aproximadamente 13 milhões de pessoas por ano. E na correria frenética e nas longas esperas por conexões, muito pode ser observado, desde de um nordestino abarrotado de malas indo ou voltando, até freiras e judeus ortodoxos em perpétuo êxodo por este Brasil. Desde mulçumanos até estudantes universitários voltando de algum simpósio ou congresso.
Nestes espaços onde as mais diversas culturas se concentram, todos, de alguma maneira, fazem questão de externar sua identidade. Olha-se de um lado e vê-se um menino com traços europeus e cabelos rastafaris, no outro, meninas orientais trajando roupas de cores elétricas que mais parecem personagens de quadrinhos japoneses, vê-se um afro-descendente declarando seu orgulho trajando uma camisa escrita “100% negro”, mas com o cabelo pintado de “louro”. Todo o cenário se paralisa com a aparição de uma família mulçumana trajando turbantes e vestes longas com olhares fixos imóveis, no mesmo recinto surge um grupo de judeus ortodoxos com seus sobretudos e chapéus negros, um típico traje das comunidades judaicas do leste europeu do final do século XVIII, paradoxalmente um deles segurava um celular.
Nestes espaços, o tempo e o espaço se embaralham e se chocam. Caoticamente despadronizados, sotaques, tons de vozes e de cores se misturam. Alguns sedem a massividade, mas outros são o que são. Porém há sempre aqueles que delimitam-se dentro de seus guetos culturais, uma resistência à cultura comercializada, esta disponível em tonéis e elaborada a lá Taylor. Uns resistem, outros compartilham e alguns sedem.
Cada um vive sua realidade, mas todos absorvem indiretamente, conscientemente ou não, a realidade do outro, seja em observação distante, seja em observação científica ou mesmo na absorção consciente de um referencial cultural, um estilo de vida que responda ou apresente um utópico paraíso de respostas para tanta fragmentação. Neste ponto a identidade se estilhaça e dos cacos um outro ser vai sendo composto, um ser ímpar e singular em sua composição. Cada um com seu orgulho e cada um com o orgulho do outro. Cada um com sua auto-admiração e cada indivíduo um admirador distante. Ele é ele, mas também é o outro, pois seus mundos se interconectam, e você deixa de ser você, para ser também um todo, composto pelos fragmentos que o outro deixou.
Assim, a modernidade tardia vai se tornando este caleidoscópio, cujos movimentos vão compondo novas realidades e cores variadas. A visão iluminista de um ser estável, de uma Paidéia idealista, vai sendo corroída com as intempéries atemporais de uma modernidade que se esvai em uma ampulheta, cuja areia ao invés de descer, espirala contra a lei da gravidade.
Cada ser constrói e é construído. A identidade não é composta por um, é composta por diversas realidades, cada peça é sua, mas também não o é.
Para Baudelaire o homem moderno: “[...] vai, ele corre, ele procura. Com certeza, este homem, este solitário dotado de uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande deserto de homens, tem um objetivo mais elevado que aquele de um puro vadio, um objetivo mais geral que vai além do prazer fugidio da circunstância. Ele procura aquela coisa que se nos permitirá chamar de Modernidade”. A sede pelo novo, o ideal, o progresso é questionável, hoje o passado cruza o presente, o presente é questionado pela incerteza do futuro, o tempo está se relativizando, por isto Foucault fez a seguinte leitura de Nietzsche: “o que anuncia o pensamento de Nietzsche é o fim de seu assassino; é o esfacelamento do rosto do homem no riso e o retorno das máscaras; é a dispersão do profundo escoar do tempo, pelo qual ele se sentia transportado e cuja pressão ele suspeitava no ser mesmo das coisas; é a identidade de Retorno do Mesmo” (Obra Palavra das Coisas). O ser é esta composição, mascarada pelos matizes dele e de outros.